A minha materialidade
Texto de Juno Cipolla.
não sei o que dizem por aí ser materialidade.
a minha materialidade hoje é sair do trabalho com roupa de trabalho e ouvir “traveco”, andar pela rua à noite e ser constantemente abordado por homens cis que, na maioria das vezes, a) acham que eu sou bicha passiva b) acham que eu sou travesti c) acham que eu sou trans.
o jeito que eles me tratam é bem parecido com o jeito que eu era tratado quando lido sempre como mulher: tocam em mim, acham que mandam em mim, que devo alguma coisa pra eles e, principalmente, que meu corpo é público e eles têm o direito de experimentar.
ser trans é uma trajetória rumo à conquista dos direitos ao próprio corpo e à própria identidade, transição é isso, e é pra sempre. ao mesmo tempo, quanto mais reivindicamos, mais vamos nos tornando corpos públicos de caráter experimental, e mais vão nos negando direitos básicos. é um processo de conquistas e reconquistas. e nisso vamos ficando com os espaços que sobram.
tem diferenças materiais entre mim e mulheres cis, mas meu medo de andar sozinho na rua continua, outros medos entram. o medo de descobrirem que não sou o que esperam - e eu nem sei o que esperam! cada dia é uma coisa.
e olha que eu ainda dei sorte de ter muitos privilégios na vida.
enfim, se ainda acham que nossos corpos não precisam do feminismo, tem alguma coisa muito muito errada.