A tutela jurídica sobre a identidade e a patologização das pessoas trans
Texto de Marina Porto.
Juízes apelam para a biologia, enquanto são incapazes de justificar a finalidade do campo “sexo” no registro civil. Seguramente não por razões genéticas, mas um dado remanescente de tempos em que mulheres não tinham direito ao voto, por exemplo.
Enquanto isso, resta inobservada a previsão da LRP (lei de registros públicos) sobre a oportunidade dada a qualquer cidadão em alterar o próprio nome ao atingir a maioridade, sem necessidade de justificativas, porquanto cabe analogia com relação ao gênero, este, não fruto da escolha dos pais, como o nome, mas da constatação visual feita pela parteira e respectiva declaração do sexo ao preencher sua DNV (declaração de nascido vivo).
Até a maioridade, registralmente, presume-se o gênero a partir do sexo. Em nenhum outro momento da vida, este em que a parteira olha e diz “é menino!”, esta pessoa será obrigada a mostrar a genital para ‘provar’ que é homem ou mulher. Intimidade. Nas situações em que se conferem documentos, além de invadir a intimidade da pessoa, se lhe nega dignidade. Seja a pessoa transgênero ou cisgênero, apresentando documentos ou apresentando-se informalmente, seu gênero revela-se antes mesmo de seu nome.
E pensar que no processo de retificação do registro de nascimento tem-se exigido laudos médicos para ‘provar’ que a pessoa é quem ela é, quando a finalidade destes laudos e razão de sua existência é voltada ao protocolo médico para a readequação de sexo, cirurgia. Não basta, como para os cisgêneros, provar reconhecimento público e notório, para não falar em constrangimentos. A pessoa transgênero tem que se sujeitar à medicina, à patologização de sua identidade, para merecer este pingo de dignidade.
Incrível como nos dias de hoje magistrados ainda se deixem enganar pela polissemia. Sexo? Não, gênero… é evidente. Exceto se esses magistrados considerem admissível exigir ver a genitália de alguém ao conferir seus documentos.
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Comentário de Marina Porto sobre o projeto de lei 5774/2016, que proíbe o uso do banheiro por pessoas trans
-Inconstitucional, descumprimento de preceitos fundamentais.
Positiva-se medida de segurança “preventiva” contra exercício de liberdade constitucionalmente garantida, sob flagrante presunção de má-fé. Não bastasse a desmedida proteção à honra subjetiva da condição cisgênero, no que tange o constrangimento da privacidade, com base em presunção de má-fé sobre a pessoa transgênero, ainda trata de positivar o condicionamento da liberdade de autodeterminação de gênero à retificação registral e cirúrgica do “sexo”, em mais uma amostra da patente pretensão de patologizar as identidades trans.
A pretensão legal também consiste em flagrante invasão da intimidade, permitindo o escrutínio sobre a genital do “suspeito” da contravenção, sujeitando a potencial constrangimento quaisquer pessoas cuja aparência não reflita fenótipo ou estereotipicamente a convenção social, o que afeta tanto a população trans quanto a cisgênero.
Especial atenção sobre o rito de tramitação do projeto. Até então não se declara o regime de tramitação, a ficha omite o rito pretendido. É comum apelarem para o rito conclusivo ou terminativo, bastando a apreciação de uma comissão da câmara e dispensando a votação em plenário para aprovar projetos.-
Também continuam inertes nossos intitulados “defensores” no congresso sobre o PDC 395/2016 - que pretende sustar o uso do nome social na esfera da administração pública federal - quando deveriam impugnar a pretensão de sustação por abuso de prerrogativa, uma vez que o decreto está em vigor e sua sustação pela Câmara é de inconstitucionalidade flagrante, não apenas por prejudicar direito adquirido e ato jurídico perfeito, como também por atropelar a competência do STF já que as alegações para a sustação versam sobre inconstitucionalidade.
Esses que dizem defender nossos direitos na casa legislativa deveriam, além de denunciar os proponentes do PDC ao conselho de ética, apresentar Ação Declaratória de Constitucionalidade sobre o decreto no STF, e até agora…
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