Novamente sobre discursos– O quadro do Zorra Total e a “ingenuidade” dos ativistas de esquerda

As últimas discussões via twitter entre ativistas de DH ditos de esquerda e feministas revelaram-se uma fonte de observação muito interessante de discursos machistas – os quais estes ativistas juram nunca terem proferido.

Já expliquei amplamente na postagem anterior o porquê da ilusão do ativista imune aos preconceitos, (e com efeito, qualquer outra pessoa que não se diga ativista de DH). No entanto, parece-me que os blogueiros ativistas ou são ingênuos ou de fato não conseguem enxergar além de seus privilégios.

Não obstante acuradas reflexões sobre política, denunciando as estratégias ideológicas de políticos e partidos de direita (e de esquerda) ou do PiG, quando chegamos à questão machista se fazem de ingênuos, e todo aqueles discursos para desconstruir a ideologia da direita desaparece frente ao reducionismo do “exagero”. Idelber Avelar discutiu a respeito bastante sabiamente à época do episódio Nassif.

Por que ao criticar as práticas e discursos da direita e do PiG mostram-se bastante precisos e munidos de ferramentas, mas em relação aos discursos machistas são tomados de uma cegueira ingênua?

Como sempre, parece que a luta das mulheres e o feminismo revela-se para estes senhores, algo menor e exagerado: não é exagero criticar o PiG quando este se põe a atacar o MST em suas manchetes ao usar termos como “invasão” em vez de “ocupação”, mas certamente é exagero quando aponta-se um programa do PiG que se revela sexista.

Darei os pingos nos ís. Jean Wyllys em seu twitter, quando questionado sobre a nocividade do programa Zorra Total, no quadro “Metrô Zorra Total” – o qual não irei discutir aqui, posto que a Lola e a Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU já discutiram ampla e precisamente o quadro – entendeu que havia misoginia mas não achou nocivo a ‘nível’ de Rafinha Bastos.

Para mim o quadro é bastante ofensivo e nocivo, mas o ponto não foi Jean Wyllys, e sim os ativistas da minha TL achando que o reclame do quadro era exagero, que era ‘humor negro’, que o ‘politicamente correto’ já cansou (qualquer similaridade com argumentos da direita é mera coincidência) etc.

Com efeito, decorre daí que o quadro não está sujeito a nenhuma análise mais objetiva desses ativistas, que apenas preferem tachar como ‘humor negro’ e que seria “exagero” reclamar dos mesmos, e logo apelam-se para os argumentos da ‘patrulha’ (novamente, qualquer similaridade com argumentos da direita é mera coincidência). No entanto não é patrulha nem exagero criticar veementemente quem é a favor de Belo Monte, nem do ridículo PNBL, e Ai5 digital.

Um dos argumento que utilizaram - vale a pena reproduzir aqui pelo seu absurdo ao meu ver – é que o quadro representaria um “humor crítico”, e fizeram referência à extinta TV Pirata e trapalhões. Ora nunca ouvi tamanho absurdo. Para aqueles que esqueceram, vale a pena relembrar que a TV em sua atual configuração tem um, e apenas um único objetivo: obter audiência para ter mais anunciantes. Com efeito, não há coerência em exigir da globo, por exemplo, qualquer defesa de DH, uma vez que seu objetivo é obter capital, e seria mais pertinente criticar a televisão como o todo em sua configuração capitalista, como aponta Fabiano Camilo aqui.

Dessa forma, não há remotamente para a Globo o interesse ou objetivo de usar o humor como crítica, seus interesses são os do capital que por sua vez prefere manter o status quo através da ideologia.

É cabível encerrar aqui com a questão da ideologia. Para aqueles ativistas que acham que @s feministas “chilicam” por coisas menores, exageradas, talvez pensem que estas tiraram seus argumentos da cartola, exprimindo algum sentimento “histérico” e “agressivo” (como eles gostam de chamar). Talvez fosse bastante proveitoso que essas pessoas fossem lembradas que é a Línguística a disciplina que se dispôs a analisar a língua, linguagem e suas utilizações e implicações. Por isso, poderíamos seguramente recorrer à Análise do Discurso e à Semântica da Enunciação (ou Argumentativa), por ex. para nos munirmos de um arcabouço teórico que suportaria todas essas análises “exageradas” e ainda que essa fonte se esgotasse poderíamos recorrer às Semióticas. Para citar alguns exemplos de teóricos que contribuíram para esse mesmo arcabouço teórico, temos Lacan, Pêcheux, Foucault, Maingueneau, Bakhtin entre outr@s.

Por isso, blogueiros de esquerda, não sejam tão rápidos em tachar todas as reclamações feministas como “exageradas”, pois não estamos falando arbitrariamente. Feministas não querem “causar”, estamos constantemente sendo bombardeadas pela mídia e pelos discursos conservadores da direita, e quando vamos aos blogs de esquerda, pensando estarmos ‘seguras’ em algum tipo de ‘refúgio’ ainda temos que lidar com as ‘ervas daninhas’ machistas que eventualmente surgem. É bastante frustrante, para não dizer desestimulante.

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6 Comentários

Arquivado em Feminismo, Linguística, Política

6 Respostas para “Novamente sobre discursos– O quadro do Zorra Total e a “ingenuidade” dos ativistas de esquerda

  1. Gostei! Também fiquei bastante surpresa quando li o twitter do Jean ontem à noite dizendo que não via nada demais no quadro e que os ativistas deveriam tomar cuidado para não se tornarem pessoas secas. Veja bem, nós rimos, de muita coisa, todos os dias. Só não rimos de piada horrivelmente preconceituosa.

    Outra coisa: acho bobo usarem a palavra “patrulha” pra tentar ofender quem opina prontamente sobre coisas que acha erradas. Isso não é uma coisa boa? Isso é evolução da opinião pública! Eu sinceramente acho maravilhoso que haja patrulhas, sim, de modo que nenhuma bobagem dita passe em branco. Quando alguém chamar as feministas de patrulha, o negócio é dizer que sim, somos uma patrulha anti-machismo! E você, que é machista?

    • Então esse argumento da “patrulha” e “politicamente correto” para mim é a pessoa dizendo “sai daqui sua chata eu quero rir e ser preconceituos@, edai”.
      Eu também rio de piadas discriminatórias e não me orgulho disso. Outro dia mesmo eu me corrigi (e também fui corrigida) por ter dito algo como “nossa isso é muito baiano” (pejorativamente). O ponto é, como é que nos lidamos com as criticas depois? Felizmente eu nunca mais ri de piadas sexistas desde que me tornei feminista e desde que passei a ler o blog ‘Quem o machismo matou hoje?’ (http://machismomata.wordpress.com/).

  2. Carlos

    Eu também fiquei surpreso quando vi o Jean dizendo que não via nada de mais no quadro do Zorra Total. Quando cortaram o beijo gay da novela, usaram o argumento de que a tv é uma concessão pública e que isso implicava responsabilidades, como a representação das minorias. Agora diante de um quadro misógino, o discurso é diferente: a tv não tem obrigação de fazer militância. Me parece bastante contraditório.

    • Eu me lembro desse argumento, mas ele só valeria se a TV fosse encarada como DE FATO concessão pública, o que sabemos que não é o caso. Nesse ponto concordo com o artigo do Fabiano Camilo que eu linkei, sobre o fato de ser ridículo cobrar da TV DH, uma vez que ela opera sob a lógica do capital e sua única “responsabilidade” é para com o capital. Seria mais proveitoso criticar o porque da TV não ser encarada como concessão pública de fato, pois aí sim poderíamos cobrar uma outra postura.

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