Meses após a primeira publicação sobre cissexismo, verifico necessidade de me corrigir em alguns pontos e atentar para outros novos.
Em minha primeira postagem sobre cissexismo, utilizei a seguinte definição para pessoas cis:
“Uma pessoa cis é uma pessoa na qual o sexo designado ao nascer + sentimento interno/subjetivo de sexo + gênero designado ao nascer + sentimento interno/subjetivo de gênero, estão “alinhados” ou “deste mesmo lado” – o prefixo cis em latim significa “deste lado” (e não do outro), uma pessoa cis pode ser tanto cissexual e cisgênera mas nem sempre, porém em geral ambos.”
De lá para cá, me educando constantemente nos blogs do tumblr, sinto necessidade de me corrigir em alguns pontos:
1) De que o fato de que o prefixo cis seja etimologicamente o oposto de trans* é de alguma forma relevante para a definição do termo. Não convém criarmos nenhum sistema binário, nenhuma dialogia entre cis e trans*, pois essas categorias de identificação não são opostas como aparentam. Se fossemos aludir a qualquer oposição, seria entre cis e não-cis. Porém, a meu ver, qualquer divisão que se faça não deve passar a impressão de oposição, mas sim de aglutinação. Cis E trans* e não cis versus trans*. Muito embora, talvez em termos políticos pudéssemos verificar tal oposição;
2) A categoria cis deve ser tomada como categoria política. Parece-me essencial que o aspecto político seja evidenciado, uma vez que a categoria cis nasce como dispositivo empoderador das pessoas trans* e não-cis, pois, apagadas pela história e desumanizadas, foram relegadas aos discursos manicomiais. Ao localizar quem são as pessoas cis e nomear essas pessoas, desnaturaliza-se a posição “normal” política dessa categoria evidenciando-se também seus privilégios. Ademais reafirmo a importância do termo cis em detrimento de ‘biológico’ para impedir a reprodução do discurso determinista biológico desumanizador.
Cis é o sentimento e o privilégio de pertencimento a uma categoria legitimada de sexo e gênero universal, que justamente por ser legitimada não depende de nenhum dispositivo social de validação, seja do próprio Estado ou de suas Instituições.
No blog Taking Up Too Much Space, a definição é feita da seguinte forma:
(Tradução minha)
“Cisgênero:
Esta lista foi originalmente criada de acordo com as seguintes definições da palavra cisgênero:
Uma pessoa na qual as determinações de sexo e gênero são universalmente consideradas válidas.
É o oposto de transgênero, ou uma pessoa na qual a(s) determinação(ções) de sexo e/ou gênero não é /são considerada(s) valida(s). Essa definição foi escolhida preferencialmente em relação a definições mais comuns (como a) alguém que se identifica com o sexo e gênero que lhe foi designado ao nascer, ou b) alguém que está em conformidade com as normas de gênero) pelos seguintes motivos:
1) Atrair atenção para o papel central das politicas reguladoras de gênero em relação ao privilégio cis/opressão trans;
2) Validar as identidades das pessoas trans em conformidade de gênero conforme o gênero de escolha, ao invés de desígnio; e
3) Considerar uma grande variedade de identidades de gênero(s) diversificadas e expressões que não estão necessariamente em contradição direta com a identificação como membr@ de um sexo/gênero designado, como crossdresseres, butches, genderqueers, drag performers, bigenderists, two spirit, travestis, e assim por diante. Mesmo homens extremamente femininos e mulheres masculinizadas @s quais de nenhum modo se identifiquem com o termo transgênero, podem verificar a falta de alguns privilégios nessa checklist - o que já é esperado.
(fonte: http://takesupspace.wordpress.com/2008/07/10/cisgender-privilege-intro/ acesso em 18/05/2012).
Muito embora eu discorde com o fato de ser oposição como eu já discorri acima, essa definição é muito rica, pois como o próprio blog informa tal classificação é mais englobadora até para pessoas que estejam em “contradição direta com a identificação como membr@ de um sexo/gênero designado”. É mais ampla e menos binária. Além disso, o termo “universal” é essencial em termo políticos, pois a identidade cis é universalmente naturalizada e considerada válida, porquanto trans* e outras são compulsoriamente medicalizadas e anormais.
Novos pontos surgiram, em relação ao “tipos” de cissexismos, para além da lista que fiz anteriormente. Com base no termo mansplaining que a Lola traduziu para homoexplicanismo, vou traduzir o que chamei de cisplaining para cisexplicanismo:
12) Cisexplicanismo: argumentação que geralmente pessoas cis recorrem ao serem advertidas/confrontadas de alguma forma com seus privilégios.
- Está geralmente relacionada com o sentimento de merecimento que pessoas cis têm de não saberem sobre pessoas trans*. Por exemplo, a ideia que pessoas cis fazem de que pessoas trans* devem explicar sua existência, identidade, corpo, genitais, experiência, etc. por compulsão. Como possuem privilégio de universalidade e legitimização automática de sua identidade, compreendem que pessoas trans* devem explicar porque são trans*. Ao passo que pessoas cis não precisam explicar porque são cis, o contrário se torna incoerente.
- Associada com a idéia da docilidade trans*, ou do the good tranny trope (“tropo da boa trava”), que é a idéia de que todas as pessoas trans* precisam ser calmas e pacientes e educar pessoas cis sobre como não discriminá-las.
- Associada com a idéia de que quando pessoas cis utilizam qualquer discurso/palavra ofensiva, o fato de não terem se educado pode ser usado como amenizador ou desculpa para não serem chamadas atenção.
Quando entram em conflito nessas situações, cisexplicam, invertendo a posição dos sujeitos do discurso, vitimizando-se e fazendo com que o debate seja sobre elas. Eventualmente torna-se cis tears [lágrimas cis].
13) Cis tears: Cis tears, ou lágrimas cis é a característica do cisexplicanismo na qual a pessoa cis depois de ter utilizado discurso ofensivo contra pessoas trans* e/ou não cis, é rechaçada muitas vezes violentamente, e então responde com ‘lágrimas’, se dizendo ofendida.
É importante ressaltar que o termo/conceito cis assim como o debate sobre cissexismo sofre constante reformulação, somando-se constantemente novas informações. Tenho certeza que irei me corrigir mais vezes, assim como adicionar novos itens, pois isso tudo é apenas uma pequena fração.
Esse link (em inglês) http://www.questioningtransphobia.com/?p=2632 contém um guia muito bom para evitar cisexplicanismo/cis tears, quando chamados atenção por transfobia/cissexismo.