O texto a seguir foi traduzido por mim a partir de um reblog do tumblr, sendo sua fonte original a OII - Organisation Intersex International [Organização Intersexo Internacional]
Achei muito importante para desfazer muitos mitos e “verdades” pseudocientíficas que giram em torno das pessoas intersexuais. Além de essas pessoas estarem inclusive mais invisíveis que pessoas trans*.
Lembrando que pessoas intersexuais não fazem parte do guarda chuva trans* e nem da luta trans*, como se verá no próprio texto abaixo.
Porém, alguns traços de similaridade unem as lutas, pois assim como as ID’s trans*, a ID intersexual também é patologizada e sofre constantes tentativas de intervenções cirúrgicas coercivas pelas instituições reguladoras médicas que visam fazer a assepsia social de qualquer sujeito que ouse cruzar as normas do dimorfismo e de gênero.
Dez ideias falsas sobre pessoas intersexo
Por Curtis E. Hinkle, Fundador, Organização Intersexo Internacional
E Hida Viloria, Porta-voz de Direitos Humanos, Organização Intersexo Internacional
1. Intersexo significa que a pessoa possui dois genitais. (Falso)
Essa é talvez uma das ideias erradas mais comuns sobre pessoas intersexo. Intersexo frequentemente não tem nada a ver com o genital da pessoa, ainda menos então com 2 genitais. Existem pessoas intersexo com pênis e uma abertura vaginal. No entanto, não existem casos documentados de uma pessoa que tenha nascido com genital masculino e feminino completamente desenvolvidos. A vasta maioria de pessoas intersexo possui genitais que aparentam habitualmente masculino ou feminino, existindo uma pequena minoria possuindo genitais atípicos. Na verdade, o termo exótico e pseudocientífico “verdadeiro hermafrodita” (o qual se refere a uma pessoa com ovários e tecido testicular), pode referir-se a uma pessoa com genitais masculinos ou femininos completamente habituais.
2. Uma em 2000 crianças nascem intersexo. (Falso)
Essa é talvez uma das estatísticas que é mais comumente fornecida. Seria mais preciso apenas simplesmente afirmar que em hospitais com equipes de designação sexual, 1 em 2000 crianças nasce com genital que é tão atípico que o médico responsável solicita a ajuda de especialistas no time para designar um sexo. A maioria dos hospitais ao redor do mundo não possui equipes de designação sexual e a maioria das pessoas intersexo possui genitais típicos. Deve-se ter cuidado ao notar que mesmo na maioria dos nascimentos com genitais atípicos, o médico não solicita assistência de uma equipe de designação sexual, mesmo se houver uma disponível. Por isso, uma pessoa pode rapidamente verificar que esse número passa a impressão de que pessoas intersexo são muito, muito raras. não são!
Existem tantas condições intersexo diferentes, que é muito difícil fornecer uma estatística nesse momento. Uma estimativa mais precisa é fornecida por Sharon Preves, Ph.D., autora de Intersex and Identity : The Contested Self - ela pesquisou sobre intersexo bastante extensivamente. De acordo com Preves, “A frequência poderia ser tão alta quanto quatro por cento.”
3. Quando uma criança intersexo nasce não pode crescer tal como nasceu, mas “algo deve ser feito”. (Falso)
Existem poucas ocasiões em relação a quando uma variação intersexo de uma criança representa riscos de saúde que requerem atenção médica imediata. Ao contrário, pessoas intersexo, como todas as pessoas, possuem problemas de saúde. Por exemplo, ser mulher não é por si só um problema de saúde, mas existem problemas de saúde específicos às mulheres.
Na maioria dos casos nos quais não existem riscos de saúde envolvidos, nós percebemos que é mais beneficial para a criança intersexo ser permitida a crescer com o corpo intacto. Preservando a integridade de seu corpo, permite que crianças intersexo desenvolvam seu próprio senso de identidade de sexo e gênero sem o risco de haver dano irreparável na formação de sua identidade. A criança pode ser criada com uma designação de sexo provisória para homem ou mulher e depois ser dada a possibilidade de decidir por si própria, assim como é dado o mesmo direito para todos os outros humanos, se sentir que esse sexo lhe é correto no futuro, e/ou se desejar fazer qualquer alterações cirúrgicas em seu corpo para alinhá-lo com seu sentimento de eu interno. Tentar realizar essas decisões para bebês e crianças, mesmo que talvez com boas intenções, é jogar um jogo de especulações sob a vida de outra pessoa.
4. Intersexo tem a ver com homossexualidade. (Falso)
As razões ocultas para a patologização da intersexualidade e os tratamentos sugeridos, os quais são frequentemente bárbaros, são muito provavelmente resultados de homofobia. Porém não há nada em relação à intersexualidade por ela mesma que poderia levar uma pessoa a afirmar que intersexualidade e homossexualidade são as mesmas coisas, ou que estão diretamente relacionados. Existe possibilidade de haver conexão, mas as razões fisiológicas não são ainda completamente entendidas nesse momento. O que é importante entender é que muitas pessoas com condições intersexo, assim como aquelas sem tais condições, as vezes se identificam como gays ou lésbicas. Similarmente, muitos adultos intersexo consideram a questão da homossexualidade irrelevante para nossas percepções de nós mesm@s. Mais e mais pessoas intersexo estão confortáveis com uma identidade de gênero intersexo, a qual sentimos ser mais precisa em descrever como percebemos nós mesm@s. O modelo socialmente construído de erotismo oferecido por muitas culturas que dividem pessoas entre homossexuais e heterossexuais apaga nossas identidades. Até mesmo a bissexualidade perpetua a ideia de apenas dois gêneros pela utilização do prefixo “bi”, que significa “ambos”. Existem pessoas que são atraídas principalmente por pessoas andróginas, por mulheres “masculinas” ou homens “femininos”. E o mais importante de tudo, qual seria o sexo oposto de uma pessoa intersexo?
5. Disorder of Sex Development [Distúrbio de Desenvolvimento Sexual], ou DSD, é o termo preferido para intersexo. (Falso)
Tod@s @s membr@s da Organização Intersexo Internacional (OII), a maior organização intersexo do mundo, rejeitam a nomenclatura Distúrbio de Desenvolvimento Sexual (ou DSD) pela simples razão de que nós não temos nenhum distúrbio, apenas somos diferentes e recusamos a aceitar qualquer linguagem e visões médicas que nos patologizam. O fato que algumas pessoas intersexo escolhem utilizar esse termo para descrevê-las, assim como algumas pessoas homossexuais veem sua homossexualidade como uma doença a ser curada, não invalida o fato que tal nomenclatura é imprecisa e estigmatizadora para a comunidade como um todo.
6. Intersexo não tem a ver com gênero. (Falso)
Para muitas pessoas intersexo, gênero é a questão principal. Em vários países ao redor do mundo, não existem cirurgias pregressas para “tratar” corpos intersexo. Os problemas principais dessas pessoas baseiam-se principalmente em não serem capazes de se adequar em um gênero ou outro, ou crescer com um corpo incompatível com o gênero no qual foram criadas.
As mesmas teorias usadas para apoiar a mutilação de corpos intersexo ambos cirurgicamente e hormonalmente são baseadas em noções de gênero que tem se provado duvidosas. De acordo com as teorias frequentemente adotadas por seguidores do Dr. John Money, gênero não é interno ao indivíduo. Nós não temos prova disso. Mas temos uma pequena prova do contrário.
Intersexo não é apenas sobre nossos corpos, mas também sobre como percebemos nós mesm@s dentro desses corpos, e identidade de gênero é uma parte crucial da identidade de tod@s. Apagar a importância do gênero para a pessoa intersexo individual é reduzir aquela pessoa aos aspectos físicos de seu corpo, negligenciando a parte mais importante da equação, sua própria percepção de tal corpo e de si mesm@, em oposto a como outr@s o percebem.
7. Intersexo é parte do movimento transgênero. (Falso)
Não. Enquanto indivíduos que são intersexuais podem se identificar como transgênero, o oposto não é verdadeiro. A maioria das pessoas que fazem parte do movimento transgênero não é intersexual. Incluir intersexo sob o termo guarda-chuva, “transgênero”, ignora nossas necessidades especificas que são frequentemente melhorias médicas, questões legais em relação a qual gênero somos, questões de saúde relativas a corpos intersexo, e mais importante, o fato que a maioria das pessoas intersexuais não são trans. Muit@s estão perfeitamente felizes em serem homens ou mulheres e mais e mais de nós estamos felizes em sermos intergênero e percebemos a noção de trans como totalmente estranha a nossa identidade porque estamos rejeitando gênero binário por completo, e o prefixo “trans”, assim como o prefixo “bi”, mantém o binário intacto.
8. O movimento intersexo é um movimento identitário assim como outros movimentos GLBT’s. (Falso)
Não exatamente. A Organização Intersexo Internacional faz campanha por direitos humanos plenos para todas as pessoas nascidas com variações intersexo, algumas das quais não reivindicam “intersexo” como uma identidade. Nossa comunidade diversificada inclui pessoas que se identificam como homens intersexuais, mulheres intersexuais, intersexuais, homens, mulheres, ou em algumas vezes também transgênero.
9. A maioria das pessoas intersexo é designada mulher. (Falso)
Muitas condições intersexo em bebês designados homens são constantemente ignoradas e seus pais são simplesmente informados que existe algum problema em urinar adequadamente ou que um testículo não foi formado, etc. Ademais, em várias partes do mundo pessoas intersexo são designadas como homens o quanto mais possível for, porque ser homem é visto como mais socialmente desejável. Quando alguma pessoa lê sobre todas as variações de condições intersexo, percebe que uma pessoa nascida com uma condição intersexo é mais provável de ser designada como homem do que como mulher.
10. Intersexualidade é uma condição que pode ser curada. (Falso)
“Normalização” cirúrgica de corpos intersexo é uma tentativa, como eugenia, de remover diferenças as quais algumas pessoas decidiram como indesejáveis, e constantemente cria problemas que antes não existiam. Considerar as variações intersexo como condições que podem ser curadas, justifica as práticas médicas bárbara as quais somos frequentemente subjulgad@s, tais como cirurgias genitais e/ou hormônios, que podem ser contrários as nossas próprias identidades intrínsecas, e tratamentos psicológicos que não desejamos cumprir.
(Fonte original: oiiusa.org)
(Fonte tumblr: http://queerandpresentdanger.tumblr.com/post/24234818461)
[N.T. I - Os termos male/female foram traduzidos como homem/mulher em algumas frases, pois não faria sentido de outro modo, mesmo que seja verificada diferenciação em relação a man/woman em alguns outros textos que se propõem a falar sobre gênero de alguma forma. II - gender assignment foi traduzido por designação sexual, para manter o caráter médico, mesmo que gender seja um termo problemático por si só. II – Foi adicionado o @ para neutralizar marcações de gênero, as quais justamente inexistem em inglês. Em outras partes utilizei o termo "pessoa/s" para tentar neutralizar o gênero].
Blog super interessante.
Precisamos falar mais e mais sobre esse assunto que continua sendo um tabu até entre os médicos.