Arquivo do mês: novembro 2012

Algumas modificações e avisos

Tendo em vista algumas perguntas relacionadas e a mistura que ocorre em relação a mim e ao Transfeminismo (do qual também sou culpada por nunca ter deixado explicito nesse blog), decidi criar uma espécie de Disclaimer ou “Isenção de Responsabilidade” sobre o conteúdo e xs autorxs desse blog.

Uma vez que o blog praticamente só era administrado e atualizado com meus próprios textos, decidi também convidar diretamente duas outras pessoas para fazerem parte do blog.

Dou boas-vindas à Leda Ferreira e Bia Pagliarini Bagagli ao Transfeminismo. Ambas farão parte da administração e produção de conteúdo do blog.

O conteúdo também será revisado a partir de agora pelas mesmas, além de mim. O ideal é que haja mais pessoas fixas para realizar a revisão do conteúdo do blog. Estamos trabalhando em uma espécie de Linha Editorial para submissão de textos na qual todos os textos estarão sujeitos.

É importante lembrar também que a maioria dos assuntos expostos no blog (administrativos ou teórico-ativistas) são colocados para debate na comunidade do Transfeminismo no Facebook (http://www.facebook.com/groups/transfeminismo/).

Isenção de Responsabilidade:

Considerando a grande quantidade de diferentes discursos/práticas/experiências vivenciadas por pessoas trans*, este blog e autorxs entendem que nenhum discurso é universal. Todo discurso que se quer universal automaticamente se torna violento por forçar uma definição padrão a um conjunto de sujeitos com base em uma suposta universalidade identitária.

Nas palavras de um dos membros do TF, Nicholas Rizzaro:

“(…) o problema é que qualquer pessoa que se proponha a ser a voz universal de um conjunto de outras pessoas - a voz una de um movimento, de um grupo, de uma população toda - vai estar cometendo uma violência absurda contra qualquer sujeito que faça parte de tal população e não se encaixe na mesma narrativa específica (…) As experiências trans e as demandas trans variam, sim - o ponto de convergência e que realmente importa é que TOD@S DEVEM TER ACESSO ao que precisam para poderem desfrutar de vidas plenas e dignas. Ponto.”

Dessa forma, não temos objetivo de falar por todas as pessoas trans*. No entanto, acreditamos que o ponto de convergência, além do citado por Nicholas Rizzaro, também incorpora o fim da discriminação cissexista/transfóbica e a luta por uma vida mais digna/humana para todas as pessoas trans*.

Assim, o conteúdo aqui exposto é fruto de nossas experiências como sujeitos trans* somado a uma pequena carga teórico-ativista que objetiva também romper com estereótipos. Como sujeitos trans*, compartilhamos nossa própria experiência e visão sobre as diferentes demandas ativistas trans*, bem como a(s) discriminação(cões) sofridas por nós e por outra(s) pessoa(s) trans*.

Todavia, não podemos ignorar as diferentes posições, demandas e experiências de diferentes pessoas trans*, até por levar-se em conta a interseccionalidade de outros elementos identitários marginalizados como raça, espaço geográfico, condição social financeira, deficiências* físicas e afins.

Por fim, convém dizer que o discurso empregado nesse blog configura um tipo de ativismo ou teoria com base no que se convencionou chamar de transfeminismo, porém mesmo dentro do chamado transfeminismo existem diferentes posições e discursos que podem se aproximar ou não do conteúdo do blog. Geralmente, o conteúdo é produzido com base em um conjunto de teorias e discursos que configuram o “nosso” transfeminismo, como por exemplo, o próprio feminismo, teoria queer, estudos de gênero, elementos de teorias sociais, linguística, teorias da linguagem, etc.

*Estamos cientes que termo deficiência é um termo que soa discriminatório, pois uma pessoa só é “deficiente” se considerarmos que as outras são “eficientes” em seus corpos, sendo tal “eficiência” uma norma social padrão.

*Esse texto configura uma espécie de “guia” para mapear o que o blog propõe e quais são os conteúdos relacionados, ainda que não seja objetivo. Como relatado, estamos trabalhando em uma Linha Editorial para mapear objetivamente o conteúdo do blog.

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Arquivado em Ativismo, Política, Trans*

20/11 - Dia Internacional da Memória Trans* / Dia da Consciência Negra

Novamente chegamos a mais um Dia Internacional da Memória Trans*, conhecido em inglês como Transgender Day of Remembrance – TDoR. Ano passado só demos visibilidade para o dia, esse ano procurei encontrar e fazer um pequeno e modesto registro de assassinatos trans* no Brasil desde NOV/DEZ de 2011 até hoje, completando assim um ano.

Da mesma forma, o Dia da Consciência Negra também não foi esquecido, e seguiu-se uma tradução feita por Viviane V. Gqueer de um texto que chamava atenção para a importância da questão da raça no ativismo trans* (Cf. o blog da Blogagem Coletiva Mulher Negra para mais informações e conteúdos).

Devo dizer que embora já esperasse o costumeiro descaso dos portais gays com notícias que envolvem pessoas trans* - em especial travestis – fiquei impressionada com a cópia acrítica das notícias a partir dos portais da grande mídia, colocando os nomes entre aspas e evidenciando o nome civil. Já falei várias vezes o quanto isso é desumanizador e como é um mecanismo para nos retornar à verdade biológica.

Muitas notícias não se preocuparam em colocar a identificação da pessoa e outras só colocaram o nome civil. Nesses casos eu considerei como “nome desconhecido” (infelizmente essas somam a maioria dos casos).

É importante lembrar também que tantos os jornais quanto polícia desconsideraram o que a militância chama de homofobia (sic) em casos de mortes resultantes de “briga com clientes”. Também desconsideraram se a(s) travesti(s) estivesse(m) envolvida(s) de alguma forma com algum tipo de crime, segundo a apuração. Dessas instituições (Grande Mídia e Polícia) eu já esperava tal consideração. Minha surpresa foi que reparei que os “sensos” de crimes homofóbicos (sic) de muitos portais gays também desconsideraram esses casos – o que me faz perceber a imaturidade e ingenuidade desses grupos que se propõe a contabilizar esses crimes. Devo lembrar que transfobia e cissexismo são estruturais. A nossa marginalização nos coloca em posição vulnerável socialmente, especialmente quando estamos falando de pessoas trans* que trabalham como profissionais do sexo. Independente da velha discussão “necessidade versus gosto pessoal”, TODAS AS PESSOA TRANS* DEVEM TER DIREITO A TRABALHO SEXUAL SEGURO.

Além dos casos de “briga com cliente”, Grande Mídia, Polícia e Portais Gays também desconsideraram casos de feminicídio (ou para usar um termo novo, transmurder – assassinato trans* - ou seriam ambos os termos?) nos quais o parceiro assassinou a pessoa (e como ocorre nos casos de mulheres cis, chamaram de “crime passional”). Esses casos também foram contabilizados aqui.

É necessário evidenciar também a existência de apenas pessoas trans* com uma identidade feminina (ou considerada como tal) nessa lista. Infelizmente não consegui contextualizar raça dentro dos casos que encontrei, pela dificuldade de encontrar fotos ou menção da raça nas notícias – e pela minha inexperiência em pesquisar e contabilizar.

O contexto de cada caso nos mostra a urgência em separar crimes considerados homofóbicos pelos portais gays, de crimes transfóbicos. Internacionalmente essa tendência já ocorre tem quase uma década e países da América do Norte e Europa possuem grupos trans* que contabilizam separadamente. Espero que um dia consigamos fazer o mesmo aqui.

Essa pequena lista será atualizada de acordo com novas informações.

Segue a lista, cronologicamente:

TDOR 2012

Janeiro:

  • Safira - 07/01/2012 / Bauru - SP

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2012/01/09/travesti-e-morto-a-tiros-na-regiao-central-de-bauru-sp.htm

  • Nome desconhecido - 30/01/2012 / Curitiba - PR

http://bandab.pron.com.br/jornalismo/policia/travesti-e-encontrado-morto-dentro-de-casa-no-boqueirao-latrocinio-ou-crime-passional-33537/

Abril:

  • Greice Kelly – 17/04/2012 / Três Lagoas – MS

http://www.correiodoestado.com.br/noticias/travesti-e-morto-com-seis-facadas-apos-programa_146861/

  • Léo – 26/04/2012 / Caixa d’água – Olinda - PE

http://www.folhape.com.br/cms/opencms/folhape/pt/cotidiano/policia/arquivos/2011/outubro/0522.html

Junho:

  • Bianca - 17/06/2012 / Barcarena – PA

http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2012/06/corpo-de-travesti-morto-tiros-em-belem-e-velado-em-barcarena-pa.html

  • Nome desconhecido - 19/06/2012 / São Paulo - SP

http://noticias.band.uol.com.br/cidades/noticia/?id=100000511271

Julho:

  • Nome desconhecido - 01/07/2012 / Bauru – SP

http://www.jcnet.com.br/Policia/2012/07/policia-identifica-travesti-morto-a-facadas-em-bauru.html

Agosto:

  • Nome desconhecido - 15/08/2012 e;
  • Nome desconhecido - 15/08/2012 (ambas assassinadas juntas no mesmo dia) / São José do Rio Preto - SP

http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/policia-civil-diz-que-travesti-morto-foi-obrigado-a-ajoelhar-antes-de-levar-tiro-20120815.html

  • Laryssa - 17/08/2012 / Piracicaba - SP

http://portal.rac.com.br/noticias/index_teste.php?tp=nacional&id=/141436&ano=/2012&mes=/08&dia=/17&titulo=/travesti-de-24-anos-e-assassinado-com-3-tiros

  • Natasha - 29/08/2012 / Clementina - SP

http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2012/08/travesti-e-morta-com-diversos-golpes-de-enxada-em-clementina-sp.html

Setembro:

  • Nome desconhecido - 06/09/2012 / Taubaté - SP

http://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2012/09/travesti-e-encontrado-morto-com-tiro-na-cabeca-em-taubate.htm

  • Gabriela – 07/09/2012 / Aparecida de Goiânia - GO

http://www.correiodoestado.com.br/noticias/travesti-da-capital-e-assassinado-a-tiros-em-aparecida-de-go_159638/

  • Yara - 10/09/2012 / Cujubim - RO

http://www.vejanoticias.com.br/noticia/cujubim-travesti-e-morto-a-pauladas-por-ex-amasio-ndash-imagens-fortes,policia,4349.html

  • Nome desconhecido - 14/09/2012 / Paulista - PE

http://www.folhape.com.br/cms/opencms/folhape/pt/edicaoimpressa/arquivos/2012/09/14_09_2012/0017.html

  • Nome desconhecido - 16/09/2012 / Votuporanga - SP

http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2012/09/travesti-e-encontrado-morto-com-sinais-de-agressao-em-votuporanga.html

  • Sandy – 17/09/2012 / São José dos Campos - SP

http://movimentobrasileirosunidos.blogspot.com.br/2012/09/travesti-sandy-e-assassinado-em-s-jose.html

  • Nome desconhecido - 23/09/2012 /

http://www.cruzeirodosul.inf.br/acessarmateria.jsf?id=421223

  • Tchesca - 30/09/2012 / Pirajuí - SP

http://www.jcnet.com.br/Regional/2012/09/travesti-e-morto-no-centro-de-pirajui-com-facada-nas-costas.html

Outubro:

  • Sheila - 07/10/2012 – São Paulo - SP

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2012-10-08/travesti-morre-ao-ser-arrastado-por-carro-de-cliente-na-zona-sul-de-sp.html

EDIT: O querido Luc Athayde me enviou um link com a contabilização da OEA. As informações são, obviamente, muito melhores e mais completas do que essa lista. Cf. aqui

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Arquivado em Cissexismo, Memória, Militância, Transfobia

Porque a centralização da questão racial no ativismo transgênero é a chave da igualdade para todxs nós

Tradução de Viviane V. Gqueer

[publicado em 15 de novembro de 2012]

Desde o primeiro Dia Internacional de Memória Trans [Transgender Day of Remembrance, no inglês] em 1998, as mortes violentas de mulheres trans racializadas[1] infelizmente predominaram neste evento anual dedicado à memória e celebração das vidas daquelas pessoas que são vítimas de assassinatos transfóbicos. Este ano não é diferente, com eventos pelo país [Estados Unidos] sendo organizados para lamentar mulheres trans racializadas recentemente mortas, como Brandy Martell, Coko Williams, Paige Clay and Deoni Jones – todas mulheres negras cujo único ‘crime’ foi a ousadia de abertamente viver.

Em que pesem recentes avanços no movimento transgênero, incluindo-se o precedente estabelecido de se estenderem direitos de proteção ax empregadx a todxs xs membrxs da comunidade, as mortes destas mulheres continuam a evidenciar a dura realidade de injustiça que pessoas trans racializadas enfrentam em face do racismo sistêmico existente. Fazendo-se importante, assim, enfatizar que o objetivo de se erradicar a opressão de gênero, um passo necessário no movimento transgênero, tem falhado em manter pessoas trans racializadas vivas.

Não preciso mencionar a importância do Dia Internacional de Memória Trans como um ato viável de visibilidade e resistência. Entretanto, não nos é suficiente simplesmente lamentar por estas vítimas – nós devemos trilhar os passos necessários à destruição das barreiras institucionais racistas que perpetuam suas mortes, e não deixar o peso desta responsabilidade sobre as comunidades organizadas a partir do vetor racial-étnico. Ao invés disso, as organizações ativistas transgêneras, predominantemente brancas [observar que o autor se refere ao contexto estadunidense], que sem dúvidas têm maior acesso a recursos – financeiros ou não –, devem começar a considerar as vidas das pessoas mais vulneráveis de nossa comunidade com seriedade, desenvolvendo e garantindo o funcionamento de políticas que partam de uma perspectiva interseccional (transversal) às identidades de mulheres trans racializadas.

Neste sentido, uma efetiva conscientização das barreiras estruturais históricas que proíbem o avanço econômico para todas pessoas racializadas deve formar a base de nosso ativismo. Não podemos implementar leis e políticas bem-sucedidas sem dar atenção à realidade de que a insegurança econômica vivenciada por mulheres trans racializadas é produto de pobreza cíclica e sistemática. Ao fazermos isso, poderemos então começar a deliberadamente criar programas de emprego que sejam direcionados especificamente a pessoas trans racializadas e ao nosso direito a justiça econômica.

Também devemos chegar à compreensão de que – diferentemente dxs companheirxs brancxs –, conforme pessoas trans racializadas sofremos as pressões do racismo, nós estamos mais suscetíveis a doenças físicas – como alta pressão sanguínea –, e mentais – como depressão, apatia, etc [2]. Torna-se importante, assim, concentrar energias não somente em torno da necessidade de acesso a recursos de saúde ligados a hormônios e cirurgias relacionadas às ‘transições’, mas também em torno de serviços de saúde que sejam culturalmente competentes, financeiramente acessíveis, e que levem em consideração opressões raciais e os quadros clínicos que elas fomentam. Nossa saúde é nossa maior defesa para manter as comunidades trans racializadas vivas e em desenvolvimento.

Ademais, ao se considerar a posição central da questão racial, ativistas transgêneros podem começar a enfrentar as disparidades educacionais vivenciadas por jovens trans racializadxs. O medo de assédio não somente devido à inconformidade de gênero, mas também devido à discriminação racial, forçou muitxs jovens trans racializadxs a sofrer bullying como consequência esperada do que são, ou a deixar a escola de vez, levando à ampliação da distância em termos de desenvolvimento econômico. Ao criar espaços seguros para jovens trans racializadxs – em especial, garotas –, devemos promover um ambiente que honre e valorize sua raça-etnia tanto quanto sua identidade de gênero.

Enquanto muitas pessoas transgêneras brancas podem celebrar os ganhos recentes do movimento, não podemos esquecer que pessoas transgêneras racializadas têm acesso limitado a estes ganhos. Se a luta pelo reconhecimento equânime de todas as pessoas transgêneras é nosso objetivo, então os passos que assegurem a longevidade das pessoas trans racializadas não podem permanecer secundários em nossa missão.

Celebremos isto neste 20 de novembro.

N.T:

[1]- trans women of color, no inglês. Preferi o termo ‘racializadas’ ao considerar que pode haver leituras problemáticas no termo ‘de cor’, porém admito desconhecer que terminologia seria mais adequada ao contexto brasileiro. Ao utilizar ‘racializadas’, a referência é às não branquitudes, com destaque às negritudes em especial, seguindo a linha do texto original (escrito por uma pessoa negra) e pensando também no contexto brasileiro.

[2]- a utilização de ‘sofremos’ e ‘nós’ é feita em referência ao autor do texto original.

Fonte original: http://blackademic.com/why-centering-race-in-transgender-advocacy-is-key-to-equality-for-all/

Essa postagem faz parte da Blogagem Coletiva Mulher Negra, na semana que antecede o Dia da Consciência Negra, dia 20/11.

Cf: http://blogagemcoletivamulhernegra.wordpress.com/

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