Arquivo do mês: dezembro 2012

Guest Post: Minha Identidade

Seguindo as postagens de cunho pessoal, muitas delas motivadas pela época de Festas, Helena Brito nos escreveu este relato. Nessa época, geralmente estamos mais vulneráveis, pois muitxs somos obrigadxs a lidar com nossas famílias que nem sempre nos recebem de braços abertos.

Minha identidade ficou perdida num limbo durante 25 anos, vivi como gay porque foi mais fácil para expor a sociedade, é mais bem aceito, pelo menos na minha família e no meio que frequento. Mas e quando você chega em um ponto que não acredita em nada da sua vida? Que olha para trás e vê um rastro de coisas inacabadas? Que nada que fez ao longo de sua vida parece ter a sua assinatura? Que não se vê?

Pois bem assim me encontrei no aniversário de 25 anos e uma frase que ressoava na minha cabeça: “e se você deixar mais para frente e se arrepender disso?”. Quanto tempo mais viveria assim?

E aí decidi enfrentar a situação, comecei aos poucos a revelar para alguns amigos próximos, família não nesse momento, não é a hora, precisarei estar com a cabeça 100% para poder sentar e abrir o jogo, apesar de já desconfiarem, não saberei as suas reações.

Ainda não saio como mulher, não acho propício o momento, uma peça ou outra, um pouco de maquiagem para aliviar a pressão interna e nada mais. Terei que ser paciente, terei que ser forte.

Tem dias que me olho no espelho e não me enxergo, parece que sou outra pessoa, ou que habito um outro corpo dentro do meu corpo; tem dias que tomo banho e me acho a mulher mais linda que conheço (mas ainda esses dias são poucos). Isso é a Disforia de Gênero, é só um nome para um misto de sentimentos que nos abatem, talvez uma tentativa de me patologizar e me enquadrar em algo, mas isso vai passar.

Uma outra questão é o fato de ser soropositiva para HIV, a condição de ser soropositiva te lança em um espécie de sobrevida, como se fosse uma cidadã de 2º grau, muitos ao saberem disso vão julgar achando mil coisas sobre você, sua vida, o que te levou até isso, e não ligando para os seus sentimentos. Vou ter que me fazer forte acima disso também.

Tudo isso irei enfrentar, as vezes enxergo o real significado da frase “a ignorância é uma benção”, mas nem tudo será tristeza, os amigos mais importantes, mais uma vez provaram o valor da amizade, todos me apoiam e me querem feliz.

Dei o primeiro passo: fui ao ambulatório de saúde integral para transexuais e travestis dentro do CRT. Quero fazer tudo certo, quero fazer direito com acompanhamento médico e tudo aquilo que tenho direito, porém foi um dia tenso, foi como ultrapassar uma barreira que talvez não só o mundo, mas também eu me impus: que tenho que aceitar o que os outros acham quem eu sou, que viveria como gay ao longo da vida e isso bastaria. Teve momentos ontem que por pouco não voltei para a minha cama e me enfiei nos meus travesseiros para me proteger de tudo. Mas não voltei, segui em frente e marquei a minha primeira consulta, porém só em Março, a procura lá é maior do que esperavam, não estou sozinha.

E aí eu volto a questão: minha identidade. Quem eu sou? Sou Helena, nasci forte e com 25 anos já de luta e preparo para isso, terão momentos que me sentirei no lodo, mas não serão todos, vou lutar, continuarei a estudar, vou me forçar e vou vencer. Sou mulher, e agora mais do que nunca.


Helena Brito

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Guest Post: Saindo do Armário 2.0

Às vésperas do Natal, nós trans* sabemos como é extremamente complicada a relação com nossa família, e devido às festas, muitxs temos que reencontrar nossa família. Seja por obrigação social ou porque queremos viver harmoniosamente, o fato é que a maioria sabe que são poucas as famílias que realmente compreendem e procuram nos tratar pelos pronomes corretos. De qualquer forma, encontros familiares no geral sempre nos rendem alguma pérola transfóbica e/ou no mínimo, alguma situação constrangedora. Infelizmente esse tipo de situação só nos deixa mais ansiosxs e nervosxs. Pedi para que pessoas trans* me enviassem relatos que tivessem relação com a época das Festas, ou simplesmente relação com como cada família lida com nossa transexualidade.

O primeiro relato é de uma pessoa que prefere manter-se no anonimato, e chama-se “Saindo do Armário 2.0″.

Houve um dia que não dormi direito. Foi anteontem, eu acho. Digo que acho porque ainda sinto o momento bem dentro de mim. Levantei sem ter deitado, fui pra cozinha e fiz café. Minha mãe sentou a mesa e nos pomos a desembaraçar o passado; O assunto acabou chegando bem perto do meu jeito e como consequência, da minha sexualidade. Minha avó acordou também e foi tomar seu café da manha, se sentando a minha frente. Achei que o circo tava armado. O melhor seria levantar e sair de fininho enquanto eu ainda possuía minha sanidade e todos meus membros estavam colados ao corpo.

Mas então minha avó me perguntou se eu seria capaz de sair com uma crente que ligou para nossa casa com o intuito de “me ajudar”. A perguntar era certeira. Aquele sair não era sobre igreja, ou um passeio. Mas sair. Eu disse que sim.

Ela entendeu, disse que não esperava por aquilo, mas entendeu. E ela tem 74 anos.

Prosseguindo com o rol de perguntas que minha avó começara eu perguntei para minha mãe se ela não se importava, se ela entendia. Ela disse que uma mãe jamais abandona o filho, haja o que houver. Engraçado que na primeira tentativa havia sido uma tempestade. Mas também houve meias palavras. Meias confissões. Quando numa manhã de sábado resolvemos por todas as cartas na mesa foi Full House!

Bom, as duas pessoas mais importantes na minha vida me compreendem, ou tentam compreender da maneira delas. No mesmo dia minha avó fez uma torta pra mim. De frango. Com requeijão.

Bom, me sinto bem melhor.

Engraçado pensar que as pessoas mais velhas na minha família foram as que aceitaram com mais serenidade. Agora estou com os dois pés balançando pra fora do armário. Mas agora o negocio é comigo. Devo encher os pulmões para dizer quem sou e não desconversar quando alguém toca no assunto. Não há mais motivo para temer tocar os pés no chão.

Meu natal tem potencial para ser um dos melhores da minha vida. Terá tios e tias chatos e bêbados? Parentes provocadores? Pode até ter. Mas não estou mais sozinho. Vou beber e comer muito. Assistir algum especial fajuto de natal e quem sabe começar um concurso de piadas de mau gosto. Enfim, comemorar o nascimento de Jesus com toda a pompa que o interior é capaz, apesar de seu nome ser usado o ano todo para justificar homofobia e transfobia. No entanto, não consigo deixar de imaginar um Jesus totalmente oposto ao que os cristãos fundamentalistas tentaram me empurrar. Um Jesus que estaria muito mais interessado em se sentar a uma mesa com pessoas como eu, transmitindo amor,sorrindo,tomando muito vinho, cerveja e multiplicando e repartindo o tender. Talvez até contanto piadas de corintianos. Mas não se preocupe, Jesus também sabe contar piadas sobre são-paulinos, palmeirenses e qualquer time que você pedir. Ele, na realidade, é gente boa.

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Guest Post: Amanhã isso vai passar

Recebi esse texto de uma pessoa que prefere se manter no anonimato.

What are little girls made of?

What are little boys made of?

“Amanhã isso vai passar.”

É o que eu penso toda noite. Penso que no dia seguinte vou me sentir confortável em ser mulher, vou querer que as pessoas me vejam dessa forma, não vou em nenhum momento sentir que existe alguma coisa de errado… Nunca funciona, é claro.

Não sei do que as mulheres e os homens são feitos, mas sei que não é a biologia ou os meus gostos que definem quem ou o que eu sou. Sei apenas que existe alguma coisa, que talvez eu nunca vá saber o que é, que faz com que eu saiba que há algo de muito errado com o fato de eu ser lidx como mulher. Algo que me fazia corrigir o “ela” pra “ele” muito antes de sequer imaginar que um dia leria sobre gênero. Mas o curioso é que até pouco tempo atrás, mesmo depois de já ter entrado em contato com as questões trans, eu tinha uma visão muito engessada do que era a transexualidade em si.

Eu entendia as pessoas transexuais como sendo aquelas que desde muito cedo na infância já sabiam qual era o seu gênero certo; uma sucessão de certezas culminando na redesignação sexual. Qual não foi minha surpresa quando percebi que identidade de gênero não seguia uma “receita de bolo”! A ideia de que uma pessoa só pode ser homem ou mulher se sentir do jeito x e se comportar do jeito y cria um limbo onde colocamos as identidades não-binárias. Pra mim, invisibilizá-las totalmente e tentar forçá-las a se conformar dentro do modelo binário é uma violência.

Percebo essa violência todo dia, quando desejo que tudo seja uma loucura da minha cabeça. Quando tenho vergonha de passar pelo constrangimento de pedir que me tratem no masculino enquanto cada curva do meu corpo grita que não devo ser levadx a sério por ainda parecer uma mulher; quando me olho no espelho e vejo outra pessoa; quando evito me posicionar como trans* por medo da deslegitimização, do discurso do “você não é trans o suficiente”, “se você consegue lidar com parte x do seu corpo, então isso não é disforia”; quando me sinto culpadx por gostar de usar saia ou de outras coisas tipicamente interpretadas como femininas e em outras tantas pequenas agressões cotidianas.

Isso me faz pensar em até que ponto se chega nessa necessidade de policiar a identidade alheia, principalmente quando ela parte das próprias pessoas trans. O fato de a minha identidade não ser binária - por qualquer motivo que seja, desde puramente político até eu “simplesmente” não me situar em nenhuma das extremidades do espectro - não significa que eu esteja ameaçando aquelas que não são. Já conheci pessoas com experiências muito parecidas com as minhas, e nenhuma delas é igual à outra. Estamos falando de gente. Não há como uma coisa só englobar toda a vastidão de experiências que uma pessoa pode ter na vida, Mas ainda assim há quem se ache no direito de poder validar quem ou o que você é.

Demonizar a dúvida só faz com que nos sintamos culpados por experimentar, por tentar saber por nós mesmos o que é melhor pra nós. Parece-me que as pessoas muitas vezes se esquecem de que viver é uma sucessão de tentativas, uma construção contínua. Há literalmente um mês, por exemplo, eu rejeitava totalmente a ideia de me hormonizar; hoje já considero fazer isso um dia. Há algum tempo pensei que conseguiria passar a vida lidando relativamente bem com esse desconforto, com a sensação de que a minha vida era uma farsa e que essa pessoa não sou eu; hoje não consigo mais.

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Acerca das narrativas legítimas da Transexualidade

Ontem eu quis ter uma vagina.

Hoje não quero mais.

Ontem eu achava meus peitos pequenos.

Hoje não acho mais.

Ontem eu achava que não tinha curvas.

Hoje não acho mais.

Ontem eu tinha obsessão por depilação a laser no corpo todo.

Hoje, não tenho mais.

Ano passado, eu imaginava ter uma vagina enquanto fazia sexo.

Esse ano, não imagino mais.

O “ontem” e “hoje” são metáforas para indicar não só passado e presente, antes/depois, mas “em um momento” e “em outro”.

Sou Travesti? Sou Transexual? Sou Transgênero?

Meu nome é Hailey Kaas e quem lê este blog provavelmente me conhece ou talvez já ouviu falar.

Em 2010, eu iniciei o programa do Centro de Referência e Treinamento (CRT DST/AIDS) o qual inclui dois anos de acompanhamento psicológico + terapia hormonal, culminando na entrada da fila do SUS para realizar a CRS – Cirurgia de Redesignação Sexual.

Até então, por mais “confusa” que eu estivesse, sempre acreditei que o acompanhamento psicológico iria me ajudar a compreender se eu “queria” ou não realizar a CRS, muito embora na época eu estivesse certa de que queria. Então, em um fatídico dia no ciclo de debates que antecede a parada LGBT de São Paulo, ouvi pela 2ª vez Berenice Bento falar (a primeira havia sido em 2008, no IV Congresso ABEH). Bento explicou como os processos de legitimação das identidades trans* adotados pelo estado – o programa todo que culmina na cirurgia juntamente com as exigências do laudo (e às vezes da CRS) para se alterar o prenome ou o sexo nos documentos – direcionavam pessoas trans* que não se identificavam com a narrativa tradicional medicalizada da transsexualidade a de certa forma mentir e/ou modificar suas narrativas para se submeterem a todo processo, com o objetivo de obter o laudo e com isso garantir uma “melhor posição” na sociedade.

Nesse dia percebi que era exatamente isso o que eu estava fazendo. Reuni coragem e comentei publicamente com Bento sobre isso logo após o fim da palestra, no tempo reservado para as perguntas - e essa foi a primeira vez que eu assumi publicamente que eu não me encaixava nesse modelo de narrativa tradicional.

Outro dia, um sujeito da área médica com quem discuti no FB me disse que essa (minha) narrativa, então, era a característica do que se categoriza como travesti.

Mas ai é que está o problema disso, esses sentimentos não são fixos, tampouco estáveis.

Explico: Durante esse ano, já desejei ter seios grandes; depois não mais; depois novamente; já desejei ter uma vagina sem abdicar do meu pênis; depois não mais; depois novamente; já quis interromper os hormônios – e interrompi por falta de dinheiro – e adorei minha libido ter subido bastante, detestei ganhar novamente pelos na parte do colo abaixo do pescoço; voltei a tomar hormônios; quero parar de novo; não posso porque preciso fazer os exames hormonais que vão me garantir a carta da endocrinologista.

E se eu quiser tomar T injetando como fez Preciado? E se não gostar e resolver dobrar a dose de E? Devo colocar silicone? Devo realizar CRS? E o tal “arrependimento”, como fica dentro da narrativa tradicional do arrependimento, se eu gosto de ambos os órgãos? Não tenho nojo/aversão por pênis; não tenho nojo/aversão por vulva/vagina. Supondo que eu tivesse uma vulva, eu seria feliz. Eu tenho um pênis e sou feliz. Ou não. Talvez eu fosse infeliz; talvez daqui a alguns anos eu passe a detestar meu pênis. Mas esses sentimentos são inerentes ao sujeito? Nenhum discurso existe em um vácuo. Se assim o fosse, não precisaríamos lutar contra homofobia, transfobia, machismo, racismo etc., porque esses discursos não afetariam ninguém e consequentemente não haveria contra o que lutar, posto que esses fenômenos seriam casos isolados e não institucionalizados, como sabemos que é.

Mas tem dias que não sou feliz. São naqueles dias que o desprivilegio de ser trans* ataca com tudo. Essa semana, falando com um amigo próximo, relatei que eu odiava ser trans*. Isso mesmo: tem dias que eu odeio ser trans*. Sabe por quê? Porque sou carente e hiper insegura e nunca sei se as pessoas com quem me relaciono estão comigo pelo meu corpo (em forma de fetiche) ou porque gostam realmente de mim. Odeio ser tratada como menos interessante, porque não tenho uma genitália “regulada” com meu gênero de acordo com o pensamento cisgênero.

Isso, inclusive, é um prato cheio para relacionamentos abusivos. Pessoas trans* têm uma auto-estima, em geral, muito mais baixa do que pessoas cisgêneras. Isso faz com que estejamos altamente vulneráveis a relacionamentos abusivos. Esses dias, li no tumblr de um cara trans* falando que temos que eliminar esse pensamento que pessoas cisgêneras estão nos fazendo grande favor em se relacionar conosco e que não vamos encontrar mais ninguém que nos aceite. Não são incomuns os relatos de relacionamentos abusivos, especialmente de mulheres trans* com homens cis. Nossa auto estima é tão baixa, que aceitamos nos submeter a coisas que normalmente não nos submeteríamos, com medo do “e se ninguém mais me quiser”. Já aconteceu comigo algumas vezes, mas isso será assunto para outra postagem.

As narrativas que eu ouvi (e ouço) sobre a CRS, em grande parte evocam um desses motivos - conforto no sexo/relacionamento com outra pessoa, geralmente cisgênera - como principal e/ou de grande importância para a cirurgia. Em segundo lugar, vem o conforto de viver na sociedade sem discriminação. Quando questionadas, essas pessoas correm para embasar suas narrativas nas histórias tradicionais infantis de sofrimento psíquico disfórico* com seus corpos.

Isso quer dizer que todxs mentem ou estão erradas? Não. Quer dizer que há muito mais nas experiências de gênero do que um conjunto de suposições (pseudo)científicas a cerca do que é a transsexualidade – e certamente há muito mais na transsexualidade do que as narrativas tradicionais de sofrimento.

Aqui não se trata de negar a disforia*, mas sim de problematizá-la, localizá-la e intersecciona-la.

Alguns já me inquiriram desrespeitosamente, dizendo que eu tenho privilégio porque não sinto disforia*. Mas quem disse que não sinto? Como acham que é ter microseios e se relacionar com alguém que tem obsessão por peitos grandes e que repetia isso (quase) todo dia (como aconteceu recentemente)? Como faço para me sentir desejável em uma sociedade que repetidamente veicula uma imagem de mulher que para os padrões cisgêneros já é inexistente? O “corpo cisgênero” é exaltado em nossa sociedade. Não existem discursos que glorifiquem “corpos transgêneros” – e por “corpos transgêneros” entendam corpos que não mantém congruência com as morfologias legitimadas socialmente.

Parece-me que isso não é algo só da ordem do gênero.

Eu peso 115kgs. Ontem após o banho, me olhei no espelho (eu tenho um bem grande no quarto) e me achei fabulosa!

Hoje, não mais.

Todas as roupas que acho bonitas e tenho dinheiro para comprar não me servem. Quando eu pesava 70kgs – 7 anos atrás – M não me servia porque meu tronco/ombro era grande demais e as blusinhas ficavam curtas na cintura. Aos meus 18 anos, mais ou menos com 80kgs, eu calçava 39/40 sem problemas. Hoje, com 23 e 115kgs, perdi meus sapatos e preciso usar 42 (e as vezes 43).

Hoje quero emagrecer o suficiente para comprar roupas sem problemas. O que me reserva amanhã?

Por que existe em minha vida, essa montanha-russa de desejos e sentimentos que ora pendem para narrativa tradicional considerada legítima da transsexualidade e ora negam completamente em oposição?

Esse ano, no advento desse blog (que nasceu no final de 2011, mas só passou a ser relativamente ativo esse ano) juntamente com a criação da(s) comunidade(s) no FB, recebi muitas mensagens de pessoas dizendo se sentir em situações semelhantes -em uma espécie de limbo de gênero; um aparente beco sem saída; um impasse. Por que isso acontece?

Minha resposta seria: porque gênero não é, como se pensa, uma categoria estável. Aquelas pessoas que tentam capturar a subjetividade do gênero através de SOC’s, CID’s, DSM’s, ou repetindo os discursos hegemônicos sobre transsexualidade (mumificados pela psicologia…) sempre estarão fadadas ao fracasso. Não há aqui receita ou fórmula mágica. Gênero é o terreno do incerto, do incoerente, do descentro, das múltiplas identificações e similaridades e muitas vezes, das impossibilidades. Da(s) disforia(s)*, sim, mas também da auto-aceitação e do amor ao próprio corpo. Inclusive, quando afirmo que gênero é instável, incluo aqui pessoas cisgêneras. Nenhuma identidade é estável.

As narrativas tradicionais sobre a transsexualidade existem. Mas não só. Para elas, existem os documentos oficiais e as teses tradicionais. Para elas e todas as outras narrativas, existe o Transfeminismo.

Não existe narrativa legitima. Existem narrativas.

*Ressalto que a “disforia” aqui é colocada de acordo com o conjunto de preceitos médicos que visam definir disforia; ou seja, o termo disforia* é uma alusão aos conceitos médicos e não deve ser tomado como absoluto, pelo contrário, deve ser sempre questionado.

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