Uma declaração de Feminismo e Mulherismo Trans-inclusivos

Aviso: Este texto foi publicado originalmente no blogue feministsfightingtransphobia como uma declaração de apoio aos feminismos/mulherismos [womanism] que são trans*-inclusivos, e como repúdio aos feminismos transfóbicos. Embora a declaração seja estrangeira, advinda de um contexto estrangeiro, percebo que aqui há uma ascensão de comportamentos similares, com feministas achando legítimo perseguir e intimidar mulheres trans* ao mesmo tempo que se vitimizam e se isentam da responsabilidade de suas atitudes. Há uma perigosa ascensão de um feminismo “misândrico” que começou como uma brincadeira mas que muitxs parecem estar levando a sério. O transfeminismo se posiciona contra qualquer discurso de ódio e busca sempre uma análise intersecional. Com esses pensamentos, a existência dessa declaração e a assinatura de vários grupos e de (trans)feministas vem em boa hora para resistirmos aos discursos perversos que buscam marginalizar ainda mais pessoas trans*.

Tradução de Leda Ferreira

Temos orgulho de apresentar uma declaração coletiva que é, até aonde sabemos (e nós gostaríamos muito de estarmos erradas a respeito disso) a primeira do tipo. Nesta publicação você encontrará uma declaração de solidariedade feminista com os direitos das pessoas trans*, assinada por aproximadamente 100 feministas/mulheristas [womanists] de pelo menos onze países diferentes [agora são 161 assinantes - 153 indivíduos e 8 organizações - de 13 países!] que desejam afirmar que feminismo/mulherismo pode e deve ser lar tanto para pessoas trans* quanto para pessoas cis. Ela foi assinada por ativistas, blogueirxs, acadêmicxs, e artistas. O que todos temos em comum é a crença de que o feminismo deve dar boas-vindas às pessoas trans*, e que as pessoas trans* são essenciais para a missão do feminismo de advogar por mulheres e por outras pessoas oprimidas, exploradas, e de qualquer forma marginalizadas pelas pessoas e sistemas patriarcais e misóginos.

Se você é blogueiro(a)/escritor(a)/acadêmico(a)/educador(a)/artista/ativista/qualquer outra coisa em posição de afetar os discursos ou ações feministas ou mulheristas e gostaria de assinar esta declaração, nos informe! Você pode utilizar o formulário na página de contato ou nos enviar um e-mail para [email protected]. Nós adoraríamos ouvir você.

Nós particularmente apreciamos comentários sugerindo formas pelas quais feministas e mulheristas, tanto cis como trans*, podem se organizar para demonstrar solidariedade e suporte à aceitação das pessoas trans. Ler nomes de feministas proeminentes em declarações de transfobia é de partir o coração para nós, mas como Joe Hill disse, “Não se lamente; se organize!”
Agora, a declaração:

Uma declaração de Feminismo e Mulherismo Trans-inclusivos

Nós, acadêmicos(as), escritores(as) e educadores(as) trans* e cis que assinamos abaixo, desejamos afirmar publicamente e abertamente nosso compromisso com feminismo e mulherismo trans*-inclusivos.

Tem havido um aumento notável da atividade feminista transfóbica neste verão: o próximo livro de Sheila Jeffreys publicado pela Routledge; a carta anônima hostil e ameaçadora enviada para Dallas Denny após ela e o Dr. Jamison Green escreverem para a Routledge expressando suas preocupações sobre o livro; e a recente e amplamente divulgada declaração intitulada “Discurso Proibido: O Silenciamento da Crítica Feminista de ‘Gênero'”, assinada por um grande número de feministas proeminentes e, lamentamos dizer, desgarradas, tem sido notáveis em particular. E tudo isso tem acontecido em meio ao clima de transfobia dominante e virulenta que emergiu após a cobertura do julgamento de Chelsea Manning e a declaração dela a respeito de sua identidade de gênero, e os recentes assassinatos de jovens mulheres trans negras, incluindo Islan Nettles e Domonique Newburn, alvos mais recentes em uma longa história de violência contra mulheres trans negras. Dados esses eventos, é importante nos expressarmos em apoio a um feminismo e mulherismo de apoiem pessoas trans*.

Nós nos comprometemos a reconhecer e respeitar a construção complexa de identidade de gênero e sexual; a reconhecer mulheres trans* como mulheres e incluí-las em todos os espaços de mulheres; a reconhecer homens trans* como homens e rejeitar narrativas de masculinidade que os excluam; a reconhecer a existência de pessoas genderqueer, não-binárias e a aceitar a humanidade delas; com análises e pesquisas rigorosas, profundas e nuançadas de gênero, sexo e sexualidade que aceitem as pessoas trans* como autoridades sobre suas próprias experiências e que entendam que a legitimidade de suas vidas não está aberta a debate; e com lutar as ideologias irmãs de transfobia e patriarcado em todas as suas facetas.

Os feminismos transfóbicos ignoram a identificação de muitas pessoas trans* e genderqueer como feministas e mulheristas, e de muitas feministas e mulheristas cis com pessoas trans* que são suas irmãs, seus irmãos, amigos(as), e amantes; são esses feminismos que frequentemente rejeitam essas pessoas, e não o contrário. Eles ignoram as pressões históricas exercidas pela comunidade médica sobre as pessoas trans* para se conformarem a estereótipos rígidos de gênero para serem “presenteados” com a ajuda médica que elas têm direito como seres humanos. Por posicionarem “mulher” como uma identidade coerente e estável cujos limites elas se autorizam a policiar, feministas transfóbicas rejeitam o discernimento da análise intersecional, subordinando todas as outras identidades à feminilidade e todas as outras opressões ao patriarcado. Elas se recusam a reconhecer seu próprio poder e privilégio.

Nós reconhecemos que feministas transfóbicas têm usado violência e ameaças de violência contra pessoas trans* e seus parceiros e nós condenamos tal comportamento. Nós reconhecemos que retórica transfóbica tem efeitos profundamente prejudiciais nas vidas reais de pessoas trans*, testemunhamos CeCe McDonald ser aprisionada em uma prisão masculina. Nós reconhecemos ainda o dano particular que transfobia causa a pessoas trans* negras e de outras etnias quando combinada com racismo, e a violência que isso encoraja.

Quando feministas excluem mulheres trans* de abrigos para mulheres, mulheres trans* são deixadas vulneráveis aos piores tipos de misoginia violenta e abusiva, seja em abrigos para homens, seja nas ruas, ou em lares abusivos. Quando feministas exigem que mulheres trans* sejam excluídas de banheiros femininos e que pessoas genderqueer escolham um banheiro marcado como binário, elas tornam a participação dessas pessoas na esfera pública quase impossível, colaboram com a rigidez das identidades de gênero, a qual historicamente o feminismo lutou contra, e levantam outra barreira ao emprego. Quando feministas ensinam transfobia, elas impedem o acesso de pessoas trans* à educação e às oportunidades que a educação proporciona.

Nós também rejeitamos a noção de que as críticas ao fanatismo transfóbico feitas por ativistas trans* “silenciem” qualquer pessoa. Crítica não é o mesmo que silenciamento. Nós reconhecemos que a ênfase recente nas supostas retórica violenta e ameaças que feministas transfóbicas afirmam receber de mulheres trans* ignora os mais de quarenta anos de retórica violenta e exterminista de feministas proeminentes contra mulheres trans*, homens trans*, e pessoas genderqueer. Ignora a estratégia deliberada de certas feministas anti-trans* bem conhecidas de se empenhar em assédio alegre e persistente, atração, e provocação de pessoas trans*, particularmente de mulheres trans*, esperando provocar respostas furiosas, que então são utilizadas para pintar um falso retrato de mulheres trans* como opressoras e feministas cisgêneras como vítimas. Ignora a identificação pública [outing] de mulheres trans* na qual certas feministas transfóbicas têm se empenhado, desprezando o dano que causa às vidas dessas mulheres e o perigo a que elas são expostas. E se baseia na retórica perniciosa de culpa coletiva, usando qualquer exemplo de retórica violenta, independente da fonte — incluindo a raiva justificada de qualquer mulher trans* — para condenar todas as mulheres trans*, e para justificar as contínuas exclusão delas e negação de seus direitos civis.

Quer sejamos cis, trans*, binárias, ou genderqueer, não deixaremos o discurso feminista e mulherista regredir ou estagnar; nós vamos empurrá-lo para frente em nossos entendimentos de gênero, sexo, e sexualidade entre disciplinas. Enquanto nós respeitamos os grandes feitos e árduas batalhas lutadas por ativistas nas décadas de 1960 e 1970, nós sabemos que aquelas ativistas não eram infalíveis e que o progresso não pode parar nelas se nós desejamos permanecer intelectualmente honestas, morais, e politicamente efetivas. Mais importante, nós reconhecemos que teorias não são mais importantes que as vidas reais das pessoas; nós rejeitamos qualquer teoria de gênero, sexo, ou sexualidade que exija que nós sacrifiquemos as necessidades de qualquer grupo marginalizado ou subjugado. Pessoas são mais importantes que teoria.

Nós nos comprometemos a fazer nossas aulas, nossa escrita e nossa pesquisa inclusiva para com as vidas de pessoas trans*.

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