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Sou mulher?

Estava olhando para minha minibiografia na página “Quem Faz”, deste site: “Mulher trans* e transfeminista em constante processo de transição e autodescoberta”. Leio novamente, e meus olhos se detêm na minha autodescrição: “Mulher trans*”. Releio novamente: “Mulher”. Sou mulher?

Há tempos tenho me questionado sobre minha identidade de gênero. Eu sou realmente uma mulher? Olho para minha foto, ao lado da minibiografia. Ela já é antiga. Na ocasião que a tirei eu estava muito feliz: eu me sentia uma mulher. Hoje, me sinto lutando diariamente para me sentir uma mulher.

Já antes da minha transição, me livrei das ilusões e fantasias sobre me tornar uma mulher linda e maravilhosa tal qual uma larva que ao sair de seu casulo se transformou numa borboleta, e entendi que, por mais que fizesse terapia hormonal e passasse pela CRS minha condição transgênera seria sempre óbvia e exposta, e eu talvez nunca fosse vista pelas pessoas como mulher, por toda a minha vida. As mudanças que buscaria seriam apenas para meu próprio bem-estar pessoal. Apenas eu mudaria, e não o mundo ao meu redor.

Fiz as contas e concluí que, tendo minha condição transgênera eternamente exposta, seria alvo de preconceito e ofensas, e precisava encontrar uma forma de lidar com isso. Tentei “aprender” a lidar com reações negativas por, no início da minha transição, enquanto ainda me apresentava como homem perante a sociedade, transgredir aquela imagem masculina que eu deveria seguir. Passei a usar batom, sapatilhas, lenços e outros acessórios “femininos”. Nessa época criei meus mecanismos para lidar com os olhares reprovadores e condenadores, as piadinhas, e os cochichos.

Esporadicamente me vesti e me apresentei como mulher, em público e em plena luz do dia. Eu não buscava ser lida como mulher pela sociedade porque, na minha cabeça, não tinha a menor chance de conseguir isso. Ao invés disso, me acostumei a fazer disso mais uma transgressão da imagem masculina que eu mesma via no meu corpo, e a fazer dessa transgressão minha forma de autoafirmação da minha identidade de gênero feminina. Usei o que tinha aprendido de minhas experiências anteriores para lidar com o preconceito.

Enfim, tive que fazer várias viagens de avião num intervalo curto de tempo, e coloquei um maior “empenho” em me apresentar como mulher. Aparentemente esse empenho foi “recompensado”: as pessoas me viam como mulher, ao menos até o momento que ouvissem a minha voz, e arregalassem os olhos de susto. Me chamavam de “moça” ou “senhora”, mesmo olhando diretamente na minha cara! Eu fiquei muito, muito feliz na ocasião.

Foi pouco depois disso que tirei a foto citada acima. Por isso estava tão feliz: tinha conseguido fazer minha imagem corresponder à minha identidade de gênero. Estava tão confiante na época, que passei a expressar publicamente minha identidade de gênero feminina em espaços desconhecidos. Até mesmo tive coragem para usar o banheiro feminino em locais públicos. Foi nessa ocasião que passei a viver como mulher em full time, isto é, não mais me apresentava esporadicamente como mulher ao sair na rua. Agora, eu realmente vivia como mulher, para mim mesma e para a sociedade, em casa, na rua, no trabalho… 24 horas por dia. E tenho vivido assim, há alguns meses.

Eu cheguei a pensar que minha passabilidade como mulher cis aumentaria com o tempo. Hoje, meses depois, percebi que não. Ao contrário, tem sido mais difícil hoje, do que naquela época, em que tinha muito menos chances de conseguir isso. Por algum tempo fiquei me perguntando o que eu estava fazendo errado. Por fim, me dei conta de um problema sério que deixei surgir durante a autodescoberta e construção da minha identidade feminina: ao contrário da época que era “transgressora”, em que me apegava à crença de que era uma mulher, independente da minha aparência e das opiniões alheias, eu passei a medir o quanto sou mulher em função do reconhecimento da sociedade. No passado, eu não esperava por esse reconhecimento. Lidava diariamente com a desvalidação da minha identidade feminina, e nas ocasiões que fui passável, como eu realmente não estava esperando por isso, essa “validação” veio como uma agradável surpresa. Porém, quando passei a viver como mulher em tempo integral, passei a procurar ativamente por essa passabilidade, por essa validação. Meu sensor interno, que identifica quando não estou conseguindo ser passável como mulher cis, antes permanecia desligado, mas agora está ativado e no máximo. Simplesmente estou mais atenta às situações cotidianas em que minha identidade de gênero feminina é invalidada. É como sempre foi – só fiquei mais sensível e perceptiva.

Me sinto mulher, mas parece que minha “feminilidade”, seja lá o que isso for, é como uma fantasia que tiro, todos os dias, ao voltar do trabalho: ao remover os sapatos, o vestido, o modelador, a peruca, a maquiagem e os acessórios, o que sobra? A resposta incômoda, que tem me atormentado há tempos, é: um corpo masculino. Nada mais. Sim, desde meu contato com o Transfeminismo, sei que não é um corpo que faz de alguém uma mulher, mas o que há de intangível por dentro: a personalidade, a identidade. Apesar de ter abraçado essa verdade como boia de salvação, ainda tenho que lidar com esses sentimentos todos os dias.

Quando venço essa luta diária para ser vista como mulher, a recompensa é deixar de ter homens rindo de mim por ser um “homem travestido”, para ter mulheres rindo de mim porque me acham gorda, feia, com cabelo ruim, mal vestida – enfim, por ser uma mulher feia. É nessa hora que sinto falta dos privilégios masculinos que já tive, principalmente do privilégio de não ser medida pela minha aparência. No fim, a pressão conjunta de ser passável como mulher cis, e daí sofrer opressão machista para me encaixar num determinado padrão de beleza e ser medida por isso, me sobrecarregou, e me derrubou, por mais que eu tenha tentando estar pronta, emocionalmente e psicologicamente, para quando isso acontecesse.

No inicio da minha transição, estava convicta que preferia mil vezes ser uma mulher feia, do que passar o resto da vida como homem. Hoje? Bom… eu fui levada a experimentar as consequências de me apresentar e ser lida como mulher, e acabei revendo esse conceito. Mas, no final das contas, concluí que sim, eu não poderia estar vivendo de outra forma, e não deixarei de expressar e defender minha identidade de gênero feminina, de forma alguma. Deixar de fazer isso seria a morte. Sou mulher? Sim, sou mulher. E, em adição à opressão que já sofro por ser uma pessoa transgênera, também sou oprimida por ser mulher. Vou me lembrar disso da próxima vez que eu me questionar se sou mulher.

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Sexo Fat¹ como Sexo Queer

Por Pinky Madison*

(Aviso: Eu tenho 5’7″ e peso 275 lb. [aproximadamente 1,70m e 124 kgs]. Eu uso o termo “fat” porque não associo nenhum tipo de banalidade moral à palavra. Apenas utilizo o termo como uma forma de descrição - e é esse o sentido que busco).

Várias semanas atrás, a comunidade online de gordoaceitação se enfureceu quando Maura Kelly, que contribui para a Marie Claire, escreveu sua opinião sobre Mike & Molly, uma série com dois personagens gordxs que se conhecem num encontro do Comedores Compulsivos Anônimos, e então começam a namorar.

Então, sim, eu acho que ficaria enojada se tivesse de assistir dois personagens cheixs² de banha se beijarem… Porque eu ficaria enojada se tivesse que assistir elxs fazendo qualquer coisa. Para ser rispidamente honesta, mesmo na vida real acho desconfortável esteticamente ver uma pessoa que seja muito muito gorda simplesmente atravessar uma sala - Como eu acharia angustiante ver uma pessoa muito bêbada cambalear dentro de um bar, ou uma pessoa viciada em heroína caindo da cadeira.

Quando li isso, obviamente minha primeira reação foi ficar bastante nervosx, mas deixando isso de lado, pensei sobre reclamações que as pessoas fazem em relação aos programas com personagens homossexuais, particularmente homens gays no geral, considerando que há uma aceitabilidade de mulheres convencionalmente atraentes se beijarem na TV.

Lesley Kinsel, uma blogueira que adoro, fez uma postagem sobre como o “ser gordx” queerifica as pessoas. Eu queria achar a postagem para citar, mas recentemente ela mudou para outro website e por isso meus favoritos não funcionam. Quando homens ganham peso, tendem a ficar mais arredondados. Nossa cultura zoa homens por “peitinhos”³ quando eles têm o que é considerado um excesso de gordura no tórax. Gordura feminiliza homens. Quando mulheres ganham peso, a tendência é que vá para os quadris, coxas e peitos inicialmente - e isso pode ser aceito como “curvas” por um tempo - mas quando ganham muito peso, as mulheres ficam maiores e há a diminuição das curvas em detrimento da presença de gordura em todo o corpo. Assim, a percepção exterior de gênero das pessoas gordas pode ser queerificada por algo que está fora de controle.

Na cultura do álcool das faculdades, existe inclusive uma noção comum de estar “bêbado o suficiente para pegar gordas”, significando que uma pessoa (geralmente um homem) só irá se interessar por alguém vistx como gordx após estarem bêbados. Às vezes, há até a ideia implícita de que essas pessoas bêbadx estão fazendo um favor ao se envolverem com meninas gordas. Coisas parecidas também podem ser ditas sobre o comportamento homossexual em pessoas que se identificam como hétero, quando bebem. Músicas como “I Kissed A Girl” da Katy Perry discutem a noção de ser “bi-curiosx”. Parece que é um fenômeno comum em nossa cultura da expectativa de mulheres bêbadas se pegando, e dependendo da situação, às vezes isso também é esperado de homens - embora seja muito menos comum.

Questões queer e Questões Fat têm diferenças óbvias, e certamente não estou tentando colocar que toda pessoa gorda é queer, ou mesmo que qualquer pessoa que transe com uma pessoa gorda seja queer. Algumas das práticas culturais em relação ao “ser queer” e “ser gordx” são bizarramente similares de uma forma problemática.

Original: http://ascqueertheory.blogspot.com.br/2010/12/fat-sex-as-queer-sex.html

¹ N.T. Sexo Gordo. O Termo Fat foi mantido no original em consonância com o termo queer.

² Em alguns casos, onde considerei pertinente, as palavras foram neutralizadas pelo “x”, visto que na Língua Inglesa não há desinências de gênero.

³ Manboobs, no original.

*Tradução: Hailey Kaas

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