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20/11 - Dia Internacional da Memória Trans* / Dia da Consciência Negra

Novamente chegamos a mais um Dia Internacional da Memória Trans*, conhecido em inglês como Transgender Day of Remembrance – TDoR. Ano passado só demos visibilidade para o dia, esse ano procurei encontrar e fazer um pequeno e modesto registro de assassinatos trans* no Brasil desde NOV/DEZ de 2011 até hoje, completando assim um ano.

Da mesma forma, o Dia da Consciência Negra também não foi esquecido, e seguiu-se uma tradução feita por Viviane V. Gqueer de um texto que chamava atenção para a importância da questão da raça no ativismo trans* (Cf. o blog da Blogagem Coletiva Mulher Negra para mais informações e conteúdos).

Devo dizer que embora já esperasse o costumeiro descaso dos portais gays com notícias que envolvem pessoas trans* - em especial travestis – fiquei impressionada com a cópia acrítica das notícias a partir dos portais da grande mídia, colocando os nomes entre aspas e evidenciando o nome civil. Já falei várias vezes o quanto isso é desumanizador e como é um mecanismo para nos retornar à verdade biológica.

Muitas notícias não se preocuparam em colocar a identificação da pessoa e outras só colocaram o nome civil. Nesses casos eu considerei como “nome desconhecido” (infelizmente essas somam a maioria dos casos).

É importante lembrar também que tantos os jornais quanto polícia desconsideraram o que a militância chama de homofobia (sic) em casos de mortes resultantes de “briga com clientes”. Também desconsideraram se a(s) travesti(s) estivesse(m) envolvida(s) de alguma forma com algum tipo de crime, segundo a apuração. Dessas instituições (Grande Mídia e Polícia) eu já esperava tal consideração. Minha surpresa foi que reparei que os “sensos” de crimes homofóbicos (sic) de muitos portais gays também desconsideraram esses casos – o que me faz perceber a imaturidade e ingenuidade desses grupos que se propõe a contabilizar esses crimes. Devo lembrar que transfobia e cissexismo são estruturais. A nossa marginalização nos coloca em posição vulnerável socialmente, especialmente quando estamos falando de pessoas trans* que trabalham como profissionais do sexo. Independente da velha discussão “necessidade versus gosto pessoal”, TODAS AS PESSOA TRANS* DEVEM TER DIREITO A TRABALHO SEXUAL SEGURO.

Além dos casos de “briga com cliente”, Grande Mídia, Polícia e Portais Gays também desconsideraram casos de feminicídio (ou para usar um termo novo, transmurder – assassinato trans* - ou seriam ambos os termos?) nos quais o parceiro assassinou a pessoa (e como ocorre nos casos de mulheres cis, chamaram de “crime passional”). Esses casos também foram contabilizados aqui.

É necessário evidenciar também a existência de apenas pessoas trans* com uma identidade feminina (ou considerada como tal) nessa lista. Infelizmente não consegui contextualizar raça dentro dos casos que encontrei, pela dificuldade de encontrar fotos ou menção da raça nas notícias – e pela minha inexperiência em pesquisar e contabilizar.

O contexto de cada caso nos mostra a urgência em separar crimes considerados homofóbicos pelos portais gays, de crimes transfóbicos. Internacionalmente essa tendência já ocorre tem quase uma década e países da América do Norte e Europa possuem grupos trans* que contabilizam separadamente. Espero que um dia consigamos fazer o mesmo aqui.

Essa pequena lista será atualizada de acordo com novas informações.

Segue a lista, cronologicamente:

TDOR 2012

Janeiro:

  • Safira - 07/01/2012 / Bauru - SP

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2012/01/09/travesti-e-morto-a-tiros-na-regiao-central-de-bauru-sp.htm

  • Nome desconhecido - 30/01/2012 / Curitiba - PR

http://bandab.pron.com.br/jornalismo/policia/travesti-e-encontrado-morto-dentro-de-casa-no-boqueirao-latrocinio-ou-crime-passional-33537/

Abril:

  • Greice Kelly – 17/04/2012 / Três Lagoas – MS

http://www.correiodoestado.com.br/noticias/travesti-e-morto-com-seis-facadas-apos-programa_146861/

  • Léo – 26/04/2012 / Caixa d’água – Olinda - PE

http://www.folhape.com.br/cms/opencms/folhape/pt/cotidiano/policia/arquivos/2011/outubro/0522.html

Junho:

  • Bianca - 17/06/2012 / Barcarena – PA

http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2012/06/corpo-de-travesti-morto-tiros-em-belem-e-velado-em-barcarena-pa.html

  • Nome desconhecido - 19/06/2012 / São Paulo - SP

http://noticias.band.uol.com.br/cidades/noticia/?id=100000511271

Julho:

  • Nome desconhecido - 01/07/2012 / Bauru – SP

http://www.jcnet.com.br/Policia/2012/07/policia-identifica-travesti-morto-a-facadas-em-bauru.html

Agosto:

  • Nome desconhecido - 15/08/2012 e;
  • Nome desconhecido - 15/08/2012 (ambas assassinadas juntas no mesmo dia) / São José do Rio Preto - SP

http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/policia-civil-diz-que-travesti-morto-foi-obrigado-a-ajoelhar-antes-de-levar-tiro-20120815.html

  • Laryssa - 17/08/2012 / Piracicaba - SP

http://portal.rac.com.br/noticias/index_teste.php?tp=nacional&id=/141436&ano=/2012&mes=/08&dia=/17&titulo=/travesti-de-24-anos-e-assassinado-com-3-tiros

  • Natasha - 29/08/2012 / Clementina - SP

http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2012/08/travesti-e-morta-com-diversos-golpes-de-enxada-em-clementina-sp.html

Setembro:

  • Nome desconhecido - 06/09/2012 / Taubaté - SP

http://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2012/09/travesti-e-encontrado-morto-com-tiro-na-cabeca-em-taubate.htm

  • Gabriela – 07/09/2012 / Aparecida de Goiânia - GO

http://www.correiodoestado.com.br/noticias/travesti-da-capital-e-assassinado-a-tiros-em-aparecida-de-go_159638/

  • Yara - 10/09/2012 / Cujubim - RO

http://www.vejanoticias.com.br/noticia/cujubim-travesti-e-morto-a-pauladas-por-ex-amasio-ndash-imagens-fortes,policia,4349.html

  • Nome desconhecido - 14/09/2012 / Paulista - PE

http://www.folhape.com.br/cms/opencms/folhape/pt/edicaoimpressa/arquivos/2012/09/14_09_2012/0017.html

  • Nome desconhecido - 16/09/2012 / Votuporanga - SP

http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2012/09/travesti-e-encontrado-morto-com-sinais-de-agressao-em-votuporanga.html

  • Sandy – 17/09/2012 / São José dos Campos - SP

http://movimentobrasileirosunidos.blogspot.com.br/2012/09/travesti-sandy-e-assassinado-em-s-jose.html

  • Nome desconhecido - 23/09/2012 /

http://www.cruzeirodosul.inf.br/acessarmateria.jsf?id=421223

  • Tchesca - 30/09/2012 / Pirajuí - SP

http://www.jcnet.com.br/Regional/2012/09/travesti-e-morto-no-centro-de-pirajui-com-facada-nas-costas.html

Outubro:

  • Sheila - 07/10/2012 – São Paulo - SP

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2012-10-08/travesti-morre-ao-ser-arrastado-por-carro-de-cliente-na-zona-sul-de-sp.html

EDIT: O querido Luc Athayde me enviou um link com a contabilização da OEA. As informações são, obviamente, muito melhores e mais completas do que essa lista. Cf. aqui

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Porque a centralização da questão racial no ativismo transgênero é a chave da igualdade para todxs nós

Tradução de Viviane V. Gqueer

[publicado em 15 de novembro de 2012]

Desde o primeiro Dia Internacional de Memória Trans [Transgender Day of Remembrance, no inglês] em 1998, as mortes violentas de mulheres trans racializadas[1] infelizmente predominaram neste evento anual dedicado à memória e celebração das vidas daquelas pessoas que são vítimas de assassinatos transfóbicos. Este ano não é diferente, com eventos pelo país [Estados Unidos] sendo organizados para lamentar mulheres trans racializadas recentemente mortas, como Brandy Martell, Coko Williams, Paige Clay and Deoni Jones – todas mulheres negras cujo único ‘crime’ foi a ousadia de abertamente viver.

Em que pesem recentes avanços no movimento transgênero, incluindo-se o precedente estabelecido de se estenderem direitos de proteção ax empregadx a todxs xs membrxs da comunidade, as mortes destas mulheres continuam a evidenciar a dura realidade de injustiça que pessoas trans racializadas enfrentam em face do racismo sistêmico existente. Fazendo-se importante, assim, enfatizar que o objetivo de se erradicar a opressão de gênero, um passo necessário no movimento transgênero, tem falhado em manter pessoas trans racializadas vivas.

Não preciso mencionar a importância do Dia Internacional de Memória Trans como um ato viável de visibilidade e resistência. Entretanto, não nos é suficiente simplesmente lamentar por estas vítimas – nós devemos trilhar os passos necessários à destruição das barreiras institucionais racistas que perpetuam suas mortes, e não deixar o peso desta responsabilidade sobre as comunidades organizadas a partir do vetor racial-étnico. Ao invés disso, as organizações ativistas transgêneras, predominantemente brancas [observar que o autor se refere ao contexto estadunidense], que sem dúvidas têm maior acesso a recursos – financeiros ou não –, devem começar a considerar as vidas das pessoas mais vulneráveis de nossa comunidade com seriedade, desenvolvendo e garantindo o funcionamento de políticas que partam de uma perspectiva interseccional (transversal) às identidades de mulheres trans racializadas.

Neste sentido, uma efetiva conscientização das barreiras estruturais históricas que proíbem o avanço econômico para todas pessoas racializadas deve formar a base de nosso ativismo. Não podemos implementar leis e políticas bem-sucedidas sem dar atenção à realidade de que a insegurança econômica vivenciada por mulheres trans racializadas é produto de pobreza cíclica e sistemática. Ao fazermos isso, poderemos então começar a deliberadamente criar programas de emprego que sejam direcionados especificamente a pessoas trans racializadas e ao nosso direito a justiça econômica.

Também devemos chegar à compreensão de que – diferentemente dxs companheirxs brancxs –, conforme pessoas trans racializadas sofremos as pressões do racismo, nós estamos mais suscetíveis a doenças físicas – como alta pressão sanguínea –, e mentais – como depressão, apatia, etc [2]. Torna-se importante, assim, concentrar energias não somente em torno da necessidade de acesso a recursos de saúde ligados a hormônios e cirurgias relacionadas às ‘transições’, mas também em torno de serviços de saúde que sejam culturalmente competentes, financeiramente acessíveis, e que levem em consideração opressões raciais e os quadros clínicos que elas fomentam. Nossa saúde é nossa maior defesa para manter as comunidades trans racializadas vivas e em desenvolvimento.

Ademais, ao se considerar a posição central da questão racial, ativistas transgêneros podem começar a enfrentar as disparidades educacionais vivenciadas por jovens trans racializadxs. O medo de assédio não somente devido à inconformidade de gênero, mas também devido à discriminação racial, forçou muitxs jovens trans racializadxs a sofrer bullying como consequência esperada do que são, ou a deixar a escola de vez, levando à ampliação da distância em termos de desenvolvimento econômico. Ao criar espaços seguros para jovens trans racializadxs – em especial, garotas –, devemos promover um ambiente que honre e valorize sua raça-etnia tanto quanto sua identidade de gênero.

Enquanto muitas pessoas transgêneras brancas podem celebrar os ganhos recentes do movimento, não podemos esquecer que pessoas transgêneras racializadas têm acesso limitado a estes ganhos. Se a luta pelo reconhecimento equânime de todas as pessoas transgêneras é nosso objetivo, então os passos que assegurem a longevidade das pessoas trans racializadas não podem permanecer secundários em nossa missão.

Celebremos isto neste 20 de novembro.

N.T:

[1]- trans women of color, no inglês. Preferi o termo ‘racializadas’ ao considerar que pode haver leituras problemáticas no termo ‘de cor’, porém admito desconhecer que terminologia seria mais adequada ao contexto brasileiro. Ao utilizar ‘racializadas’, a referência é às não branquitudes, com destaque às negritudes em especial, seguindo a linha do texto original (escrito por uma pessoa negra) e pensando também no contexto brasileiro.

[2]- a utilização de ‘sofremos’ e ‘nós’ é feita em referência ao autor do texto original.

Fonte original: http://blackademic.com/why-centering-race-in-transgender-advocacy-is-key-to-equality-for-all/

Essa postagem faz parte da Blogagem Coletiva Mulher Negra, na semana que antecede o Dia da Consciência Negra, dia 20/11.

Cf: http://blogagemcoletivamulhernegra.wordpress.com/

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Dia 22/10 – Dia Internacional de Ação pela Despatologização Trans* e a falta de visibilidade no Brasil

Este post está atrasado. Desde sexta feira corro contra o tempo para conseguir sentar e escrever sobre o dia 22 de outubro, dia marcado pela militância trans* como Dia Internacional de Ação pela Despatologização Trans* [International Day of Action for Trans Depathologization]. O máximo que consegui fazer foi verificar desde sexta no twitter, FB e nos blogs ativistas brasileiros (LGBT’s, políticos esquerdistas, feministas etc.) que sigo, se havia alguma menção à data. Nada. Nem sequer a menção ou referência à algum link externo. Nem nos blogs somente de ativismo trans*. Parece que infelizmente, pode soar eurocêntrico, mas enquanto engatinhamos, a Europa e EUA (e também o Canadá) estão sempre muito a frente quando a questão é militância e ativismo de diversos tipos, não só LGTB e o L, B e T realmente fazem parte da sigla. Fiquei indignada com a total falta de visibilidade, pois o assunto da patologização da transexualidade é muito sério e foi/tem sido amplamente discutido em fóruns e debates acadêmicos em congressos e seminários no Brasil (e não é recente, já fazem anos).

Nada foi mencionado aqui, alias nem o é geralmente em nenhum blog que conheço. O debate que ocorre na esfera acadêmica também não tem grande visibilidade, muito embora existam pesquisador@s com grande prestigio que, inclusive, palestraram no ciclo de debates da parada do orgulho LGBT, como a Dra. Berenice Bento. No entanto, não parece haver nenhum interesse na luta a favor da despatologização das identidades trans* pela militância LGBT, ou eu deveria dizer G, aqui no Brasil. Muito se alardeia quando um@ religios@, deputado, enfim, uma figura pública, se dá a falar “homossexualismo” [sic] e faz comparações da homossexualidade com pedofilia ou então afirma ser ‘mesmo’ uma patologia. Porém a própria militância não tem interesse em se educar em relação as questões trans*, e para além disso, se educar em relação as questões das pessoas com corpos GNC (gender-non-conforming; com gêneros em desconformidade, em tradução livre) pois há em ascensão já fazem décadas movimentos “dissidentes” de pessoas que não se identificam mais como trans* (mesmo trans* sendo usado como um umbrella term), e preferem se identificar por outras denominações que não são excludentes e não convém mais falar em ‘desconformidade do gênero com o sexo’ (a associação de palavras é “desajuste” ou “correção” – o que há de ser ajustado ou corrigido, eu pergunto?) com o sexo sendo como normativamente se acredita (“biológico”), mas uma não-conformidade “geral” em que um ponto de apoio (uma baliza) não existe ou é múltiplo e difuso, de modo que não se possa determinar uma conformidade entre a morfologia e a performance. A Teoria Queer já vem a anos apontando fenômenos de performances de gênero e/ou atos/performances corporais subversivas, isso não é nenhuma novidade.

Porém, para não desfocarmos da luta da despatologização, o ato se dará principalmente ano que vem, (siga este link para o website oficial: STP - Stop Trans Pathologization 2012) pois a OMS e os órgãos psiquiátricos responsáveis irão revisar os textos onde as identidades trans* estão catalogadas como patologia em 2012, e por isso um ato ativista organizado por ativistas europeus e estadunidenses/canadenses ocorrerá na mesma época. Quem sabe até lá os ativistas brasileiros acordaram e resolveram se educar?

Para finalizar, fiquem com o video do website oficial, em português de Portugal:

PS: Até a finalização desse post, só haviam mencionado o dia 22/10 os sites/blogs que eu linkei aqui. Se alguém tiver conhecimento de algum blog brasileiro, por gentileza peço que me informe, pois é muito importante.

PS²: Eu já expliquei o sentido de umbrella term e o asterisco na palavra trans no post anterior. Porém existe agora uma página no blog para a explicação do termo, e toda vez que se fizer referência em algum post haverá pelo menos um link para a página.

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