Este é um longo post sobre TERFs
Por Frank Williams. Publicado originalmente em 10 de julho de 2018, em seu perfil pessoal no Facebook. Tradução de Beatriz Pagliarini Bagagli.
Este é um longo post sobre TERFs.
Eu vi os panfletos que as TERFs infiltradas estavam distribuindo no Pride London no último final de semana e percebi que eles se referiam a homens trans como “jovens lésbicas”. No entanto, parece que muitas pessoas ainda veem as TERFs como um grupo que tem apenas uma “simples diferença de opinião” no máximo, ou como um grupo que se comporta de forma transfóbica apenas na parada do orgulho, mas então se comporta normalmente no resto do ano. Na realidade, as TERFs são um exemplo clássico de um grupo de ódio extremista, e eu quero mostrar como elas funcionam como tal por meio do compartilhamento da minha experiência pessoal e pesquisa em um subconjunto de grupos de TERFs que focam seu ódio em homens trans.
Esses grupos TERFs em particular operam principalmente online e dedicam-se na deslegitimação dos homens trans tendo em vista legitimar a sua marca de feminismo. DirtyWhiteBoi67 [Não veja seu site] é um exemplo particularmente perturbador de alguém que me machucou, além dos meus amigos e minha comunidade. Essas TERFs usam as mesmas cartilhas dos discursos de ódios para se infiltrar nas nossas comunidades e nos destruir. Elas parecem trabalhar da seguinte maneira:
Discurso:
A maioria dos grupos TERFs insiste que somos lésbicas butch forçadas a transicionar pela misoginia e patriarcado. Na visão mais extrema, alguns grupos insistem que somos mulheres coagidas a transicionar pelas mesmas razões, em combinação com a presunção de termos sofrido abuso sexual. De qualquer forma, elas insistem que somos mulheres por vários motivos, inclusive com a intenção de querer culpar alguém pela redução das comunidades lésbicas tradicionais de que elas já fizeram parte, e nós somos um alvo fácil para isso. Elas enquadram essa ideologia como se fosse amorosa e carinhosa a meninas que sofrem de abuso estrutural ou pessoal e que precisam ser salvas da transição. Na realidade, isso é amplamente incongruente com as nossas próprias experiências de vida como homens queer/gay/hétero /etc. - experiências de vida que disponibilizamos gratuitamente online, mas elas escolhem ignorar, uma vez que isso depõe contra a ideologia delas.
Doxing[1]:
Para provar a sua ideologia, esses grupos TERFs dedicam muito tempo stalkeando (perseguindo) homens trans online. Elas roubam fotos e vídeos de homens trans com as nossas transições, nosso peitoral hormonal e alterações genitais em particular, e criam dossiês individuais de homens trans. Elas os usam para criar catálogos de “evidências” para várias finalidades; para provar que somos auto-mutiladores e nos odiamos; nos expor para nossos chefes em ambientes de trabalho; ter poder sobre nós; nos degradar. Páginas e páginas de capturas de tela com órgãos genitais de homens trans aleatórios com vários insultos desumanizantes ao lado. Elas fizeram isso comigo e com meus amigos e milhares de outros mais. É muito angustiante. Elas alegam estar interessadas com os nossos procedimentos médicos por se preocuparem e se importarem conosco. Na realidade, se trata de uma perseguição predatória com o objetivo final de nos coagir à destransição.
Disseminação:
Essas TERFs distribuem suas supostas evidências em folhetos e online. Como a maioria dos grupos de ódio, seus sites visam informar os membros e o público; incentivar participação; alegar um chamado divino e privilégio; promover o amor no interior grupo e acusar os grupos externos de serem o problema. Embora a maioria das publicações de TERFs seja geralmente explicitamente odiosa em relação às mulheres trans, essas publicações tendem a mostrar cuidado e preocupação aparentes com os homens trans. Na realidade, isso é uma fachada para tornar sua ideologia mais palatável.
Deslegitimização:
Como a maioria dos grupos de ódio, esses grupos TERFs usam evidências pseudocientíficas e internas para alegar que não somos trans/homens. Evidência “científica” é frequentemente usada por grupos de ódio na medida em que tem mais força de corroer o senso de self de alguém. Frequentemente essas TERFs são do tipo classe média branca ex-acadêmicas, por isso são muito capazes de usar linguagem intelectualizada para convencer as pessoas de que elas são bem informadas e confiáveis. E como mulheres, elas também podem convencer as pessoas de que esse conhecimento vem de uma abordagem cuidadosa e atenciosa. Elas distorcem, ignoram e apagam nossas experiências vividas; nossas transgeneridades, masculinidades, sexualidades, disforia, terminologias etc. Eles usam táticas como o gaslighting[2] em pessoas mais fracas e o sealioning[3] em pessoas mais fortes. Seu objetivo é esgotar-nos e tornar-nos mais maleáveis à sua própria ideia de cuidados de saúde trans; a terapia reparativa[4]. Na realidade, isso vai totalmente contra todas as orientações das melhores práticas publicadas pelas comunidades trans, acadêmicos e órgãos médicos.
Degradação:
Quando elas pegam as nossas fotos, elas nunca as contextualizam. Então, enquanto um homem trans compartilha um vídeo sobre a sua cirurgia peitoral sendo o melhor dia de sua vida, uma TERF usará a mesma foto e a chamará de “mutilação”. Um homem trans pode compartilhar um vídeo sobre como seu crescimento genital ajudou a reduzir a disforia; uma TERF usará esse vídeo para chamar nossos órgãos genitais de “estragados” e “não naturais”. Dizem coisas grosseiras sobre nossas mentes e corpos. Elas fingem estar preocupadas com o nosso bem-estar enquanto simultaneamente nos degradam e reescrevem as nossas experiências de vida a partir do seu próprio ponto de vista cis. Elas afirmam que hormônios e cirurgias estão nos prejudicando. Na realidade, hormônios e cirurgia salvam muitas de nossas vidas.
Desumanização:
As TERFs nos reduzem a fotos de close-up com as nossas cicatrizes e genitais e nos chamam de aberrações da natureza e outros insultos. Elas gostam de falar em detalhes gráficos sobre todos os riscos envolvidos em se assumir; perder sua família, cuidados de saúde, problemas cirúrgicos, função sexual etc. Elas dizem que você nunca será uma pessoa normal. Uma das razões pelas quais elas fazem isso é tentar assustar jovens trans para longe da transição médica. Na verdade, são as atitudes como as das TERFs que tornam difícil ser trans, não ser trans em si.
Desmasculinização:
Estes grupos de TERFs visam em primeiro lugar desmasculinizar porque elas odeiam homens e a masculinidade, e em segundo lugar porque elas acreditam que se destruírem nosso senso de masculinidade nós retornaremos à sua irmandade feminina e assim defenderemos a sua ideologia. Elas fazem isso ameaçando que nós nos tornaremos homens ruins se usarmos testosterona, nos colocando contra homens cis, sendo cruéis com resultados cirúrgicos, dizendo que somos não atraentes ou sexualmente disfuncionais, nos chamando com termos degradantes, encontrando nossas fotos de “antes”, usando linguagem feminizada etc. Elas insistem que as pessoas trans reforçam os estereótipos sexistas, ao mesmo tempo em que insistem que devemos performar uma feminilidade que esteja de acordo com os estereótipos sexistas que elas afirmam ser contra. Elas também afirmam se preocupar com o nosso suposto auto-ódio. Na realidade, elas instilam o auto-ódio para nos coagir a destransicionar.
Dessexualização:
Uma das principais táticas desses grupos, e das TERFs em geral, é a dessexualização dos homens trans, paralelamente à hipersexualização das mulheres trans. Elas teorizam homens trans como crianças assexuais e mulheres trans como predadoras sexuais. Na minha opinião, isso está enraizado em suas percepções a respeito dos órgãos genitais, enquanto afirmam ao mesmo tempo que as mulheres não devem ser julgadas por seus atributos físicos e que as vulvas não são menos sexuais do que os pênis. Por exemplo, eles pegam uma pornografia que um homem transexual fez de bom grado e gastou 17 horas fazendo upload e alegam que o vídeo mostra um abuso sexual. Mais uma vez, tudo isso é feito aparentemente em simpatia por nós. Na realidade, isso ignora completamente nossa própria autonomia e nossas próprias sexualidades.
Divisão:
Elas tentam tornar homens trans contra mulheres trans e pessoas não-binárias. Elas tentam nos convencer de que são as outras pessoas trans que nos mantêm oprimidos. Na realidade, é claro que são as pessoas cis.
Culpabilização:
Essas TERFs também usam a culpa e a vergonha; elas dizem que nós vamos contra o feminismo pela fato de transicionarmos e que fazemos mal às mulheres por nos unirmos ao patriarcado, etc. Elas sabem que se você é levado a se sentir culpado por fazer o que precisa para sobreviver, você pode se tornar mais suscetível a destransicionar e/ou ser recrutado. Elas também nos culpam por coisas mais tangíveis, como o fechamento de bares tradicionais de lésbicas butch. Na realidade, existem inúmeras causas para isto; como o próprio passar do tempo. A expulsão de lésbicas trans butch de tais estabelecimentos é outro bom exemplo.
Gaslighting:
Enquanto as TERFs abordam mulheres trans com violência ostensiva, esses grupos abordam homens trans com violência encoberta. Como a maioria dos grupos de ódio, elas atacam os membros fracos e vulneráveis da comunidade e prometem torná-los fortes e poderosos. Se um homem trans compartilhar um post sobre um problema, como cirurgia peitoral não indo bem, por exemplo, elas serão simpáticas e educadas. Elas dizem que você não precisa de cirurgia, que você é uma mulher bonita do jeito que você é, etc. Dizem que podem ajudá-lo a se recuperar de seu auto-ódio. O objetivo é teorizar a transgeneridade como a raiz de todos os seus problemas ao invés da transfobia estrutural e a destransição como a solução de todos os seus problemas. Na realidade, isso é gaslighting e generificação/destransição forçadas, que ferra com as pessoas - mas elas não se importam.
Aliciamento:
Uma vez que elas tenham mexido com o seu próprio senso de identidade, gênero, sexualidade, comunidade, etc., elas podem coagi-lo a destransicionar e ser potencialmente recrutado. Como muitos grupos de ódio, aqueles que podem estar em risco de destransição coercitiva ou radicalização tendem a ser os membros mais frágeis e vulneráveis da comunidade. Aqueles que passam momentos difíceis com a vida ou com a transição, aqueles que transicionam mais tarde em suas vidas, aqueles que estão isolados ou não se encaixam em sua comunidade trans local, aqueles que têm baixa auto-estima, aqueles que são facilmente influenciados e aqueles que não têm bons exemplos ou cresceram em torno de masculinidade tóxica. Elas vão te dizer que a vida é melhor do seu lado. Na verdade não é. E se fosse, nós não iríamos querer fazer a transição.
Terapia de Conversão:
Estas TERFS combinam intelectualismo aparente com cuidado aparente para convencer os homens trans de que elas podem nos ajudar. Elas dizem que querem ajudá-lo a se tornar mulher de novo porque elas se importam com as mulheres. Mas assim como os MRAs dizem que se preocupam com os homens como disfarce para odiar as mulheres, ou os supremacistas brancos dizem que se preocupam com a classe trabalhadora como desculpa para odiar as pessoas de cor (people of color), as TERFs dizem que se preocupam com as mulheres como disfarce para odiar pessoas trans. Elas querem nos tornar obsoletos a fim de legitimar sua ideologia. Na realidade, a terapia de conversão é condenada pela maioria das organizações de saúde e pesquisa como o Memorandum of Understanding of Conversion Therapy no Reino Unido.
Em suma, as TERFs atacam pessoas vulneráveis usando as seguintes estratégias: Discurso; Doxing; Disseminação; Deslegitimação; Degradação; Desumanização; Desmasculinização; Dessexualização; Divisão; Culpabilização; Gaslighting; Aliciamento; Terapia de Conversão. Isso inclui táticas como pseudointelectualismo e pseudociência, love-bombing[5], intimidação, humilhação, sealioning e coerção. Elas odeiam mulheres trans e elas odeiam homens trans. Elas odeiam homens cis, e algumas nem gostam da maioria das mulheres cis também - elas odeiam qualquer um que não seja elas. Elas praticam bullying, assediam e ameaçam pessoas trans. Elas perseguem homens trans e proíbem mulheres trans de acessarem espaços. Elas se vêem como superiores e praticam amor no interior grupo e ódio fora do grupo. Elas têm seus próprios símbolos e frases. Elas acenam cartazes e faixas com o intuito de intimidação. Elas ignoram completamente toda a informação comunitária, legal e médica em favor de sua própria ideologia. Elas divulgam essa ideologia para recrutar mais pessoas. Seu objetivo é impedir as pessoas trans de existirem.
Estes são todos os componentes clássicos de um grupo de ódio extremista, de acordo com a Anti-Defamation League e o Southern Poverty Law Centre, os quais pesquisam e monitoram grupos extremistas/de ódio na América. Embora ideologicamente diferentes, operacionalmente, as TERFs funcionam de maneira semelhante a grupos de ódio mais conhecidos, como o KKK, Aryan Brotherhood, C18, NF, NA, ATM, Westboro Baptist Church, Family Research Council, ACT For America, Alt-right MRAs e os Incels, ISIS, Al-Qaeda, Al-Nusra Front etc
Não devemos menosprezar as TERFs como apenas militantes malucas; a transfobia não é uma doença mental, é uma escolha. Não devemos caracterizá-las como lésbicas mal informadas de uma geração passada; as informações estão aí, elas simplesmente não querem saber. Não devemos banalizar sua ameaça só porque são mulheres/lésbicas; elas são perigosas. Não devemos ver seu ódio como incidentes isolados em eventos públicos; elas estão operando 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias online. Não devemos pensar nelas como estúpidas ou atrasadas; elas são frequentemente pessoas brancas de classe média bem organizadas e bem educadas. Não devemos vê-las como necessitando de ajuda; elas fizeram uma escolha e está longe demais de ser razoável. Nossas energias seriam muito melhor gastas em outro lugar.
Devemos rejeitar desculpas feitas pela Parada e outros organizadores de eventos LGBTQ que permitem que as TERFs espalhem seu ódio. Devemos exigir que os eventos e os organizadores da comunidade adotem uma abordagem de tolerância absolutamente zero em relação a elas. Devemos apelar às organizações e aliados para serem ativamente inclusivos e apoiarem as mulheres trans nos espaços das mulheres e das pessoas trans em geral. Devemos estimular as organizações e aliados a educar o público em geral sobre como abordar ou questionar as TERFs. Devemos pressionar os moderadores da web a banir as contas de mídia social de TERFs e os sites que promovem a transfobia. E todos nós devemos condená-las publicamente pelo grupo de ódio que são.
Notas de tradução:
[1] Segundo a Wikipédia, doxing é a prática virtual de pesquisar e de transmitir dados privados (especialmente informações pessoalmente identificáveis) sobre um indivíduo ou organização. Está intimamente relacionado com a vigilância na internet e pode ser realizado com a intenção de praticar assédio, extorsão, coerção e humilhação.
[2] Segundo a Wikipédia, gaslighting é uma forma de abuso psicológico no qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade.
[3] Segundo a Wikipédia, sealioning é um tipo de assédio que consiste na perseguição ou provocação sistemática de uma pessoa por meio de pedidos de provas ou perguntas persistentes. O assediador simula ignorância e polidez, de modo que, caso o alvo reaja com raiva, isto será estrategicamente usado pelo assediador contra a vítima.
[4] Também chamada de terapia de conversão, reversão ou reorientação sexual, popularmente conhecida como “cura gay”. Tratam-se de práticas pseudocientíficas e prejudiciais que buscam alterar a orientação sexual ou identidade de gênero de alguém por meio de intervenções psicológicas ou espirituais.
[5] Segundo a Wikipédia, love-bombing é uma tentativa de influenciar uma pessoa por meio de demonstrações de afeto e atenção. Pode ter objetivos positivos ou negativos, no entanto, seus críticos apontam que tal prática é uma forma de manipulação psicológica que pode resultar em abuso.
Sobre homens trans, pessoas transmasculinas e TERFs, leia também:
Homens trans e a falácia do “acolhimento”, por Davi Miranda.
Meu nome é Thomas e eu não me importo com suas teorias feministas, por Thomas Fernando.
Imagem: The TERFs.