Pessoas transgêneras, intersexuais e em não conformidade de gênero #Nãoserãoapagadas pela pseudociência
Leia a tradução da declaração de cientistas que se opõem à proposta de definição legal de gênero do governo dos EUA. Os cientistas, incluindo oito ganhadores do Prêmio Nobel, estão repudiando a proposta de definir legalmente o gênero como masculino ou feminino, determinado no nascimento com base na anatomia, ou posteriormente por meio de testes genéticos não especificados. A carta explica como a proposta do governo, que vazou pelo New York Times, não é científica e promove a pseudociência, apesar da alegação do governo de que ela é “fundamentada na ciência”, além de ser antiética, já que viola os direitos humanos e a dignidade básica.
O número de signatários continua a crescer à medida em que os cientistas acrescentam seus nomes. A carta e a lista completa dos signatários podem ser encontradas online em https://not-binary.org/statement/.
26/10/2018
Assinado, 2617 cientistas
Como cientistas, somos obrigados a escrever para você, nossos representantes eleitos, sobre a proposta da administração atual de definir legalmente o gênero como uma condição binária determinada no nascimento, com base na genitália, e com planos para esclarecer disputas por meio de “testes genéticos”[1]. A proposta é fundamentalmente inconsistente não apenas com a ciência, mas também com as práticas éticas, os direitos humanos e a dignidade básica[2].
A proposta não é de forma alguma “fundamentada na ciência”, como afirma a administração. A relação entre cromossomos sexuais, genitália e identidade de gênero é complexa e não totalmente compreendida. Não existem testes genéticos que possam determinar inequivocamente o gênero ou mesmo o sexo. Além disso, mesmo que tais testes existissem, seria injusto usar o pretexto da ciência para promulgar políticas que anulam a experiência vivida das próprias identidades de gênero das pessoas.
A política proposta visa apagar as identidades de milhões de americanos que se identificam como transgêneros (indivíduos cuja identificação de gênero difere de seu sexo atribuído ao nascimento) ou têm corpos intersexuais (indivíduos com padrões biologicamente atípicos de características masculinas e femininas). Em indivíduos transgêneros, a existência e validade de uma identidade de gênero distinta é apoiada por vários estudos neuroanatômicos.[3] Embora os cientistas estejam apenas começando a entender a base biológica da identidade de gênero, está claro que muitos fatores, conhecidos e desconhecidos, servem de mediação entre as complexas relações entre a identidade, genes e anatomia.[4]
Em pessoas intersexuais, sua genitália, bem como suas várias características sexuais secundárias, podem diferir do que os médicos preveem a partir de seus cromossomos sexuais. De fato, algumas pessoas viverão suas vidas inteiras sem nunca saber que são intersexo.[5] A política proposta forçará muitas pessoas intersexuais a serem classificadas legalmente de maneiras que apagam a sua condição e identidade intersexo, assim como levar a mais cirurgias arriscadas e medicamente desnecessárias ao nascimento. Tais atribuições de gênero não consensuais e cirurgias resultam em aumento dos riscos à saúde na idade adulta[6],[7] e violam o direito das pessoas intersexuais à autodeterminação.
Milhões de americanos se identificam como transgêneros ou em não conformidade de gênero, ou têm corpos intersexuais, e correm um risco maior de distúrbios de saúde física e mental resultantes de discriminação, medo sobre sua segurança pessoal e rejeição familiar e social. Múltiplos padrões de cuidados de saúde para pessoas transgêneras e intersexuais enfatizam que reconhecer o gênero autoidentificado de um indivíduo, não sua genitália externa ou cromossomos, é a melhor prática para fornecer cuidados baseados em evidências, efetivos e que salvam vidas.[8],[9] Nossa melhor evidência disponível mostra que a afirmação da identidade de gênero é primordial para a sobrevivência, saúde e subsistência de pessoas transgêneras e intersexuais.[10]
Devido a suas falhas científicas e éticas, conclamamos a administração a retirar essa política proposta. Também pedimos aos nossos representantes eleitos que se oponham à sua implementação, pois isso poderia causar sérios danos aos americanos transexuais e intersexuais e enfraquecer os direitos constitucionais de todos os americanos. As pessoas transgêneras e intersexuais merecem o mesmo acesso aos direitos, meios de subsistência, liberdades e dignidade aos quais todos nós temos direito, com base em nossa humanidade compartilhada.
Assinado,
Biólogos, Geneticistas, Psicólogos, Antropólogos, Médicos, Neurocientistas, Cientistas Sociais, Bioquímicos, Prestadores de Serviços de Saúde Mental,
e outros cientistas em Solidariedade
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Referências
[1] Reuters. Trump Administration Trying to Define Transgender Out of Existence: NY Times. The New York Times [Internet]. 2018 Oct 21
[2] OHCHR | Embrace diversity and protect trans and gender diverse children and adolescents [Internet].
[3] Kreukels BPC, Guillamon A. Neuroimaging studies in people with gender incongruence. International Review of Psychiatry. 2016 Jan 2;28(1):120–8.
[4] Bramble MS, Lipson A, Vashist N, Vilain E. Effects of chromosomal sex and hormonal influences on shaping sex differences in brain and behavior: Lessons from cases of disorders of sex development. Journal of Neuroscience Research. 2017 Jan 2;95(1–2):65–74.
[5] Dumic M, Lin-Su K, Leibel NI, Ciglar S, Vinci G, Lasan R, Nimkarn S, Wilson JD, McElreavey K, New MI. Report of Fertility in a Woman with a Predominantly 46,XY Karyotype in a Family with Multiple Disorders of Sexual Development. J Clin Endocrinol Metab. 2008 Jan 1;93(1):182–9.
[6] How Intersex People Identify – Intersex Campaign for Equality [Internet].
[7] Minto CL, Creighton S, Mrcog M, Woodhouse C. Long term sexual function in intersex conditions with ambiguous genitalia. Journal of Pediatric and Adolescent Gynecology. 2001 Aug 1;14(3):141–2.
[8] The World Professiona Association for Transgender Health. Standards of Care for the Health of Transsexual, Transgender, and Gender Nonconforming People, 7th Version [Internet].
[9] Luk Gijs PhD, Anne Brewaeys PhD. Surgical Treatment of Gender Dysphoria in Adults and Adolescents: Recent Developments, Effectiveness, and Challenges. Annual Review of Sex Research. 2007 Mar 1;18(1):178–224.
[10] National Center for Transgender Equality. The Report of the 2015 U.S. Transgender Survey, Executive Summary [Internet]. 2016 Dec.