SOBRE O MITO DA AMEAÇA À FAMÍLIA PELA ACEITAÇÃO DAS IDENTIDADES DE GÊNERO E ORIENTAÇÕES SEXUAIS
Texto de Marcelo Flexa.
O modelo da “família tradicional” (leia-se família das religiões abraâmicas) está fracassado, e tenta se reerguer criando um espantalho.
O espantalho, que na verdade são dois - Orientação Sexual e Identidade de Gênero - são tratados pelos fundamentalistas como sendo apenas um, um amálgama aberrante que eles chamam “gayzismo”. Mais recentemente eles têm preferido usar o termo criado pela bancada evangélica e fortalecido pelos conservadores, a tal “ideologia de gênero”, uma total inversão da realidade, pois a única coisa que poderia ser chamada de ideologia de gênero, é o status quo da hetero-cis-norma.
Pois bem, uma das manipulações mais utilizadas por eles, são as inversões de valores. Pra surtir efeito, primeiro deve ser reforçada a falácia do “normal x anormal” e/ou “natural x antinatural”.
Em posse destes CONCEITOS MANIQUEÍSTAS, e usando de outra famosa falácia, a do “comigo ou contra mim”, eles passam a poder lubrificar as pessoas de que aceitação das diferenças, em ordem de uma coexistência social, é na verdade uma coerção. Deturpam um conceito de civilidade em uma idéia de ameaça, apesar de nada de fato estar ameaçado ou coagido.
Dentro desta ótica deturpada, eles levam os incautos e fanáticos a acreditarem que a auto afirmação das minorias, em especial a LGBT, é um abuso contra a “liberdade” que eles tem de odiar e repudiar o diferente. Fazem parecer que eles possuem o direito de não aceitarem essas pessoas na mesma sociedade que eles vivem, e pior, fazem parecer que a não aceitação é uma virtude. A intolerância como virtude é a tal inversão de valor, e o instrumento principal da manipulação.
Desta forma, passam a encarar como opressão a luta contra a opressão, e fazem os oprimidos parecerem opressores dos que não são parte da minoria. E essa idéia absurda só funciona devido a outra grande mentira, a de que a família está ameaçada pelos LGBT. De que tanto a Orientação Sexual, quanto a Identidade de Gênero são destruidoras do conceito de família.
Pra que esta mentira sobre a ameaça à família funcione, antes eles usam de outra manipulação: a da definição do conceito de família.
A ameaça só vai ser acreditada se eles puderem redefinir família ao molde que lhes convém, dentro do conceito de família judaico-cristão, que a mente conservadora (moldada pela própria) tem facilidade em aceitar.
Portanto eles estão a um bom tempo tentando redefinir o conceito de família e, de quebra, reforçar a falsa idéia de que família é um conceito totalmente religioso (e pra isso eles se valem de, vejam vocês, textos religiosos).
Convencendo fiéis e conservadores de que o único modelo de família é o deles (dentro de uma ótica totalmente fundamentalista), e ignorando a existência de famílias antes do surgimento e evolução do conceito de religião (especialmente as religiões abraâmicas), eles lançam o argumento de que LGBT, por não “reproduzirem” (outra mentira, da qual falarei abaixo), ameaçam o modelo de família que eles defendem.
Bom, pra começar já é errado afirmar que LGBTs não reproduzem. Ser lésbica, bi, gay e/ou trans, não faz da pessoa infértil e incapaz de se reproduzir. Se houver a necessidade, ou a vontade, essas pessoas podem ter filhos quando bem entenderem, seja se valendo de inseminação artificial, barriga de aluguel ou sabe-se lá o que a ciência será capaz de nos trazer. Inclusive podem usar da inseminação natural, unindo em uma família um casal de gays com um casal de lésbicas, por exemplo. As possibilidades são inúmeras quando o conceito de família não é limitado a um único modelo. O fato é que a reprodução está assegurada.
Aqui vale lembrar que o medo da não reprodução, levando à uma hipotética extinção da humanidade, é totalmente descabida na condição humana atual. Além de sermos mais de 7 bilhões, não estamos em risco de extinção. Tal pensamento só fazia sentido na idade do bronze, quando a primeira religião abraâmica começou a se formar. Naquele tempo, temer a extinção por não reprodução fazia algum sentido. Hoje esse risco inexiste, principalmente se tentar relacionar essa causa de extinção à pessoas LGBT.
Outra parte da manipulação do conceito de família se dá pela idéia de que só é família se tiver parentesco. Esta idéia equivocada só encontra respaldo dentro da ótica religiosa, onde família é um conceito criado por Deus. Do ponto de vista antropológico, este conceito se prova errado. Famílias inteiras foram formadas unindo parentes e amigos (pessoas que não tinham parentesco de sangue mas que faziam inequivocamente parte da estrutura social conhecida como família).
Resumo da ópera: não apenas o conceito de família não está ameaçada, como a aceitação das diferenças na sociedade não é opressão ou falta de respeito. Pelo contrário, a aceitação da diferença é o fim da opressão.
Digo mais, nem mesmo o modelo de família por eles defendidos sobre o nome de “tradicional”, se encontra ameaçada diante da aceitação das Identidades de Gênero e Orientações Sexuais. A existência de outros modelos de família não ameaçam a existência e permanência da “tradicional” (lembra da falácia do “comigo ou contra mim”, pois é). Pessoas adeptas e crentes das religiões abraâmicas continuarão existindo e preservando em seus núcleos este modelo de família.
A ameaça é uma mentira. E a intolerância, sobre a forma de “não sou obrigado a gostar”, não é uma virtude, e sim uma teimosia egocêntrica. As pessoas LGBT não precisam de sua aprovação pra existirem.
Vamos considerar estes mitos como detonados, ok?