Retomando a existência contra a transfobia
Quando falamos de visibilidade, estamos falando de como significamos nossas existências. E mais especificamente aqui, irei falar brevemente acerca da existência trans.
Retomando o legado feminista de Simone de Beauvoir, nos deparamos com o existencialismo, posição segundo a qual considera que somos, inevitavelmente, livres e responsáveis pela atitude que tomamos assim como pela construção do mundo e de nossa realidade a partir de nossas possibilidades concretas.
No que toca à questão da identidade isso significaria compreender que somos livres para construir nossas identidades de gênero a partir tanto de uma tomada de posição frente ao vazio quanto de nossas condições concretas de existência.
A perspectiva existencialista critica determinismos que poderiam eximir o sujeito de sua própria escolha de existência. Isso significa que não há nenhuma estrutura prévia que possa determinar e eximir o sujeito de si mesmo, em última instância, de uma escolha ética acerca de sua própria vida.
Quando falamos da questão trans isso fica evidente: nós somos condenados a construímos nossas existências, e, portanto, nossas identidades de gênero. Não há nada na transexualidade que possa determinar previamente escolhas e atitudes morais. Nós escolhemos a transgeneridade e não o contrário. E nós escolhemos como construir nossas identidades tendo em vista uma ética da existência. Nós construímos a transgeneridade e não o contrário. E sempre construímos algo no mundo a partir de uma tomada de posição, de escolha.
Porque estou dizendo isso? Vemos frequentemente um discurso que estigmatiza pessoas trans ao afirmar que nossas existências seriam decorrentes de alguma super-estrutura fechada de gênero, afirmando inclusive que ela “nunca falharia”. Que negaria também qualquer possibilidade de agência por parte dos sujeitos e, portanto, da escolha frente ao vazio e ao estranho do mundo. De que não haveria possibilidade de escolha já que todas as cartas estariam postas de antemão na mesa e o jogo seria, portanto, absolutamente pré-programado.
Muitas pessoas estigmatizam pessoas trans ao afirmarem que as pessoas trans só são trans porque elas seriam fruto de uma espécie de engenharia social que determinaria uma escolha moralmente inadequada acerca do gênero. Estigmatizam com o intuito de negar a própria possibilidade de existência.
Apontar uma causa unívoca, inequívoca e sobre-determinante acerca da transgeneridade é agir de má fé em relação à existência o outro. Em relação, portanto, à consciência do outro: é estigmatizar, pela consciência e identidade, a existência do outro. Não existe realidade que possa explicar universalmente a transgeneridade, tendo em vista que nossas existências são desde sempre diversas. Nada pré existe à existência e não há nada que possa definir a priori a transgeneridade além de tão somente a existência das pessoas trans. Considerar que nossas existências são determinadas e circunscritas aos “estereótipos” de gênero é agir de má fé em relação à própria consciência do outro. O outro de que falo aqui especificamente são as pessoas trans.
Neste sentido, espero que mais neste momento de visibilidade, possamos estabelecer uma relação ética com o outro assim com a forma de vida e consciência deste outro e compreender que nenhuma característica pode definir em última instância e previamente as existências das pessoas trans.