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Identidade de gênero (módulo para uma sequência didática)

Olá pessoas. Fiz, junto com Laerte Neto, uma sequência didática como trabalho final para o estágio do curso de letras; o material trata de temas como identidade de gênero e (cis)sexismo. Por isso achei relevante publicar aqui no blog do Transfeminismo dois módulos: o primeiro, sobre identidade de gênero, que será publicado agora, e o segundo, logo em seguida, sobre linguagem e sexismo. Podemos dizer que uma sequência didática é um gênero discursivo com fim pedagógico de se “ensinar” um gênero discursivo. Ele se estrutura por meio de módulos que visam oferecer aos alunos condições para que suas capacidades acerca de determinado gênero discursivo se aprimorem. Então, os posts a seguir podem interessar não apenas pessoas que buscam informação acerca da questão de gênero, mas também xxs professorxs, em especial, de língua portuguesa. Se alguém quiser o trabalho completo, podem me contatar pelo facebook (veja a seção “quem faz” e procure por Bia =p) ou por meio dos comentários.

O módulo a seguir conta com uma pequena introdução às noções de teoria queer e oferece um suporte teórico para que x professorx consiga inserir-se nas discussões de gênero que circulam em ambiente acadêmico e grupos de estudo. A ideia proposta aqui é que x professorx tenha recursos teóricos para iniciar uma discussão em sala sobre o tema. Neste módulo não há nenhuma atividade planejada, no entanto indicamos notícias sobre políticas publicas que levam em conta as discussões de gênero que podem ser lidas e debatidas em sala orientadas pelx professorx.

Guacira Lopes Louro aponta para as novas (e plurais) formas de se entender questões de gênero e sexualidade nos dias de hoje. A autora afirma que elas estão além e à margem das instituições tradicionais, como o Estado, as igrejas ou a ciência, que as regularam e definiram historicamente. Partes destas novas vozes provem, agora, dos próprios grupos marginalizados/minorias. Este fenômeno, não é, contudo, isento de reação:

“[...] Sua visibilidade [das minorias] tem efeitos contraditórios: por um lado, alguns setores sociais passam a demonstrar uma crescente aceitação da pluralidade sexual e, até mesmo, passam a consumir alguns de seus produtos culturais; por outro lado, setores tradicionais renovam (e recrudescem) seus ataques, realizando desde campanhas de retomada dos valores tradicionais da família até manifestações de extrema agressão e violência física. (LOURO, p. 542)”

X professorx, como diz Louro, não se encontra em uma posição cômoda, já que práticas pedagógicas tradicionais não estão dando conta da questão e dos novos sujeitos que agora reivindicam um espaço que antes não lhes pertenciam. Tendo em vista isto, a sequência didática apresenta estas diversas vozes para os alunxs. Propõe-se que elas sejam problematizadas tanto por meio das contradições quanto pelas tensões que emergem entre os discursos antagônicos. Para Louro (apud DA SILVA), considerar as relações de gênero nas práticas pedagógicas significa:

“[...] subverter os arranjos tradicionais de gênero na sala de aula: inventando formas novas de dividir os grupos para os jogos ou para os trabalhos; promovendo discussões sobre as representações encontradas nos livros didáticos ou nos jornais, revistas e filmes consumidos pelas/os estudantes; produzindo novos textos, não-sexistas e não-racistas; investigando os grupos e os sujeitos ausentes nos relatos da História oficial, nos textos literários, nos “modelos” familiares; acolhendo no interior da sala de aula as culturas juvenis, especialmente em suas construções sobre gênero, sexualidade, etnia, etc. (p.2454)”

No texto intitulado “Quem defende a criança queer?” de Beatriz Preciado, encontra-se questões relevantes nestes quesitos. Ela mostra como os discursos reacionários – que se contextualizam na marcha na França contra o casamento gay – que supostamente visam proteger as crianças são, na verdade, violentos; ela também atrela os acontecimentos descritos com experiências pessoais. A autora propõe, ao denunciar o hetero/cissexismo, uma nova forma de se entender os “direitos da criança”: agora é o direito ao gênero queer que é reivindicado, a criança não deve ser compreendida como um mero “artefato biopolítico” a fim da reprodução da lógica patriarcal e hetero/cissexista.

Berenice Bento também irá tratar de como as tecnologias de gênero se impõem para as crianças desde a mais tenra idade. O desígnio de gênero é feito antes mesmo do nascimento da criança e os brinquedos, cores, enxovais – definidos pela autora como “próteses identitárias” - que se tem como de um gênero – neste caso, o gênero inteligível - está ancorado a expectativas estruturadas numa complexa rede de pressuposições sobre comportamentos, gostos e subjetividades que acabam por antecipar o efeito que se supunha causa; afinal de contas, indaga Bento, quem disse que todas as pessoas irão performar e se adequarem a essas prescrições de gênero sem que nenhum tipo de “falha” ou “erro” ocorra? O gênero é tido, portanto, como resultado de tecnologias sofisticadas que produzem corpos-sexuais.

Assim, pode-se trazer a teoria dos atos de fala de John Austin (apud BENTO): quando se diz “menino/menina” não se está descrevendo uma situação, mas produzindo masculinidades e feminilidades condicionadas ao órgão genital, produzindo-se materialidades. Segundo Judith Butler (apud LOURO) as normas de gênero são constantemente reproduzidas através das performances para que então o próprio gênero se materialize: “no instante mesmo da nomeação, constrói, ‘faz’ aquilo que nomeia, isto é, produz os corpos e os sujeitos”.

O termo queer pode ser usado para designar todas aquelas pessoas que estão à margem da norma heterossexual e cisgênero, assim, “queer” pode ser considerado como um termo abrangente, unindo em sua categoria tanto debates que envolvam a identidade de gênero quanto a orientação sexual, em especial para tratar de pessoas cuja identidade fuja do binário de gênero. Usa-se transgênero para se referir especificamente à questão de identidades de gênero que não cumprem os critérios de inteligibilidade e normatividade cisgêneros (não necessariamente, porém, pessoas trans* são não binárias).

Enfim, Bento responde a seu próprio questionamento:

“As experiências de trânsito entre os gêneros demonstram que não somos predestinados a cumprir os desejos de nossas estruturas corpóreas. O sistema não consegue a unidade desejada. Há corpos que escapam ao processo de produção dos gêneros inteligíveis e, ao fazê-lo, se põem em risco porque desobedeceram às normas de gênero, ao mesmo tempo revelam as possibilidades de transformação dessas mesmas normas. Esse processo de fuga do cárcere dos corpos-sexuados é marcado por dores, conflitos e medos. As dúvidas “por que eu não gosto dessas roupas? Por que odeio tudo que é de menina? Por que tenho esse corpo?” levam os sujeitos que vivem em conflito com as normas de gênero a localizar em si a explicação para suas dores, a sentir-se uma aberração, uma coisa impossível de existir. Quais os mecanismos sociais que produzem nas subjetividades essa sensação de anormalidade? Como as instituições operam para serem eficazes no seu intento de naturalizar os gêneros? Como o centro produz e se alimenta perversamente das margens?”

Pessoas transgêneras/não cisgêneras historicamente foram marginalizadas não apenas de espaços sociais, mas também de discursos. As identidades trans* são patologizadas pelo CID; o imaginário que é reproduzido pelas mídias tende a exotificação destas pessoas, seja pela associação acrítica que é feita entre transgeneridade e criminalidade, em especial envolvendo as identidades travestis, seja pelo estigma de doença mental e necessidade de “tratamento” das pessoas transexuais, na maioria das vezes através de um viés cissexista; ou como disse Berenice Bento, sem condições das próprias minorias significarem suas dores. A escola não é um espaço imune à reprodução da transfobia, pois se trata de uma opressão estrutural de nossa sociedade. Assim, x professorx deve ficar atento para práticas institucionais ou informais que acontecem na escola que (re)produzem nas subjetividades, como aponta Bento, essa sensação de anormalidade. É através de um olhar crítico que xs alunxs vão, portanto, deixar de “localizarem em si a explicação para suas dores” para localizarem, agora, nas verdadeiras estruturas sociais que perpetuam cissexismo e disforia.

Em relação a questões transgêneras na escola, duas reivindicações essenciais são feitas: o uso do nome social nas chamadas e outros procedimentos burocráticos e o uso do banheiro do gênero com o qual se identificam. No entanto, nem sempre tais reivindicações, mesmo sendo tão básicas, são respeitadas. De acordo com Bento, a escola se apresenta como uma instituição incapaz de lidar com a diferença e a pluralidade, funcionando como uma das principais instituições guardiãs das normas de gênero e produtora da heterossexualidade, e por extensão, da cisgeneridade, a ponto da alta taxa de pessoas transgêneras fora da escola não poder ser explicada pelo conceito de “evasão”, mas sim pelo de “expulsão”.

Cabe ax professorx o papel de não ser um instrumento reprodutor desta opressão. Propõe-se que seja discutido com os alunxs a importância do uso do banheiro pelas pessoas trans* e o uso do nome social. Caso exista(m) (um) alunx(s) transgênero(s)/homossexual(ais) na turma, é de suma importância x professorx preservar a identidade e privacidade dx(s) alunx(s), garantindo que eles não sejam exotificadxs ou questionados com perguntas inapropriadas, levando em consideração que a sequência didática vai lidar com a questão, atiçando a curiosidade dos demais alunxs. Cabe ressaltar que se deve propiciar um ambiente seguro para o(s) alunx(s), e que não se deve esperar que alunxs trans*/homossexuais respondam perguntas se os mesmos não estiverem à vontade. Caso contrário, esta sequência pode acabar por provocar o que teoricamente se deseja evitar: ao exotizar e marcar a “diferença” do outro estaremos reproduzindo a mesma lógica que relega as subjetividades queer à anormalidade e abjeção.

Sob a égide da teoria queer, tanto Bento quanto Louro citam Derrida e a desconstrução de binarismos, incluindo aqui as categorias homo versus hétero. Com a desconstrução, se afasta do olhar de que ambas as categorias possuem significado apartadas uma da outra, ao contrário, elas só se tornam inteligíveis mutualmente. Desta forma, não se torna interessante, ao se falar sobre “diversidade”, remeter ao “diferente” ou o “outro”, na medida em que “cada pólo contém o outro, de forma desviada ou negada”; a identidade negada – a abjeta - é constitutiva do sujeito, fornece-lhe o limite e a coerência e, ao mesmo tempo, assombra-o com a instabilidade. (LOURO)

Por fim, uma notícia acerca do uso do gênero neutro na Suécia irá dialogar de maneira interessante com o texto de Preciado. Ambos tratam dos discursos que lidam com crianças e como elas não estão isentas das questões de gênero e suas controvérsias ou polemicas. Pode-se também utilizar notícias de meninas trans* que tiveram acesso ao banheiro feminino negado. Os textos se tornam relevantes na medida em que nos assuntos abordados não são estranhos aos alunxs, por envolverem não apenas questões de gênero que são um assunto recorrente no cotidiano, mas principalmente por envolverem crianças no ambiente escolar intrinsicamente relacionado com a questão de gênero. Assim, x professorx deverá propor um debate para os alunxs, relacionando os dois textos: a proposta da escola sueca está de acordo com os preceitos defendidos por Preciado? Esta iniciativa daria certo se fosse implementada no Brasil? O quanto o tratamento com gênero neutro estaria restrito ao ambiente escolar? Como expandir esta iniciativa para além do espaço escolar? Ela poderá, paradoxalmente, reforçar as mesmas normas binárias de gênero que visa descontruir?

Referências Bibliográficas:

BENTO, Berenice. NA ESCOLA SE APRENDE QUE A DIFERENÇA FAZ A DIFERENÇA. Estudos Feministas, v. 19, n. 2, p. 549, 2011.

DA SILVA MACHADO, Raimunda Nonata. RELAÇÕES DE GÊNERO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

LOURO, Guacira Lopes. Teoria queer-uma política pós-identitária para a educação. Universidade Federale do Rio de Janeiro, 2001.

Links:

“Estudante transgênero vai à justiça pelo direito de usar banheiro feminino”, disponível em http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/06/estudante-transgenero-vai-justica-pelo-direito-de-usar-banheiro-feminino.html

“Exigência de travesti para usar banheiro e nome feminino gera polêmica”, disponível em: http://www.midiamax.com.br/Geral/noticias/839285-exigencia+travesti+para+usar+banheiro+nome+feminino+gera+polemica.html

“Em pré-escola sueca não existe mais distinção entre meninos e meninas” disponível em: http://www.pavablog.com/2011/06/28/em-pre-escola-sueca-nao-existe-mais-distincao-entre-meninos-e-meninas/

“Quem defende a criança queer? disponível em: http://rogeliocasado.blogspot.com.br/2013/01/quem-defende-crianca-queer-por-beatriz.html

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Divagações dxs Leitorxs: Explicando Genderqueer Para aquelxs que o não são

Por Maddox

Tradução: Jamal

“Eu tenho uma prima que acaba de sair do armário como genderqueer. Ela e eu fomos melhores amigas enquanto crescíamos e, naturalmente, eu quero entender o que sua experiência é, mas eu simplesmente não entendo. (Eu também não sei se me é permitido referir-me a minha prima enquanto ela / dela.)

Eu posso entender o sentimento de que você devesse ser de um gênero diferente de seu corpo, ou do que você foi criado, mas eu não entendo como seria não se sentir como pertencente a nenhum dos sexos. É sobre as construções sociais em torno de que a sociedade diz que meninas e meninos / homens e mulheres devem ser? Porque eu entendo aqueles que rejeitam estereótipos, não gostam de cozinhar / cor-de-rosa / salto alto / etc.

Acho que eu deveria perguntar a ela, mas eu não quero incomodá-la muito. Você pode fornecer material on-line para eu ler sobre a experiência de ser genderqueer?”

Obrigadx por vir aqui e fazer um esforço para compreender seu/sua primx. Elx se mostrou valente em sair do armário e em confiar em você informações pessoais, e um sinal de que elx confia em você uma informação pessoal preciosa.

O que é Genderqueer?

Primeiro, cada pessoa que se identifica como genderqueer define seu gênero de forma diferente. Isso ocorre porque genderqueer tornou-se um termo genérico que engloba uma grande gama de gênero de forma que a ser realmente diferente para cada indivíduo.

Eu estou usando pronomes de gênero neutro “elxs” para seu/sua primx, pois é a opção mais segura em minha mente. Nós não sabemos as preferências de pronome delx: você vai ter que perguntar. Sério, é só dizer “que pronome você prefere?” Você vai ter que perguntar um monte de coisas, como o nome que de preferência, como você deve abordá-lx em público e em privado (porque elx podem estar fora do armário ou não para pessoas diferentes) e, mais importante, o que genderqueer significa para elx.

Para um grande número de pessoas que se identificam como genderqueer, sua identidade de gênero – e a forma como expressá-la - continua a evoluir com o passar dos anos. Isso inclui roupas, pronomes, nomes, transição, transição física, médica, e outras coisas. Não é necessariamente que as pessoas genderqueer estão confusxs; apenas que descobrir o que você entende sobre sua própria identidade pode ser um processo longo, que muitas vezes envolve desaprender o que deveríamos ser.

Sair do armário não significa que necessariamente elx irá compartilhar todo o processo com você, ou porque elx optou por manter algumas coisas privadas (por qualquer motivo), ou elx pode ser apenas tímidx em relação ao assunto. Eu não falo muito sobre o assunto com qualquer 1 de meus/minhas amigxs há anos. Como alguém de fora, pode ser frustrante ver as mudanças e se sentir como se estivesse sendo mantido no escuro. Seja paciente com essas mudanças. Se elx se sentiu confortável o suficiente para falar com você, é melhor conversar sobre o assunto do que presumir alguma identidade.

Fazendo perguntas

A melhor coisa que você pode fazer agora é fazer perguntas: para outrxs (como eu, ou outrxs blogueiros), para si mesmx (você ficaria surpresx com o quanto você pode aprender sobre si mesmx no processo), e seu/sua primx (embora não todas as perguntas devem ser dirigidas a elx, não tente invadir a privacidade pessoal).

Sei que você provavelmente vai cometer um monte de erros ao longo do caminho, mas todos começaram do início, e finalmente aprenderam. Contanto que você seja respeitosx e honestx com suas intenções, suas ações serão apreciadas.

Explicando Genderqueer para alguém que não é

Agora, para chegar ao cerne de sua pergunta:

“Eu posso entender o sentimento de que você devesse ser de um gênero diferente do que você foi criado como, mas eu não entendo como seria se sentir de ambos os sexos.”

Como eu disse, comece com algumas perguntas. Eu estou supondo que você é uma menina, e que você se sinta confortável ao se identificar como uma menina. Mas talvez você não goste de usar salto alto, ou cozinhar, ou odeia rosa - rejeitando coisas “femininas”, como você apontou. No entanto, você ainda se sente como uma menina. Por quê? O que faz você se sentir desse jeito? Espero que você possa entender que pode ser extremamente difícil explicar sua identidade de gênero para outra pessoa.

E se eu lhe disser que amanhã você vai se sentir exatamente a mesma, e se ver da mesma forma. No entanto, todas as pessoas lhe veem como um homem, lhe tratam como um homem, e esperam que você faça coisas de homem. É realmente difícil imaginar isso, eu sei, por isso vamos fazer um experimento.

Tente caminhar para o banheiro dos homens. Sério, experimente na próxima vez que você está no cinema. Avalie o seu nível de conforto e o seu senso de segurança. Tente andar no vestiário dos homens. Apresente-se a alguém como “John” - Como se sente (errado, estranho)? Como as pessoas vão tratá-la (com desdém, com surpresa, com o ridículo)? Agora imagine olhando para si mesmo no espelho e tendo barba ou barba por fazer, ou usando um barbeador elétrico. Ninguém está olhando para o espelho, exceto você, mas como você se sente?

Transgênerxs tem uma experiência semelhante: a desconexão entre o seu sexo de nascimento e o sexo com o qual se identificam, além de como as pessoas as veem e o que se espera delxs. Pessoas transexuais que estão dentro do binário encontram conforto no outro lado do espectro: se elxs nasceram homens, elxs se vêem como mulheres, e se sentem bem tendo a aparência de mulheres e sendo visto como meninas ou mulheres.

No entanto, algumas pessoas trans * sentem angústia ou desconforto ao colocar-se no lado feminino, bem como o lado masculino. Não se sentem muito bem em nenhuma caixa. Outras pessoas sentem que pertencem a ambos os lados, ou mais de um lado do que o outro. Esta é apenas uma pequena parte de como as pessoas genderqueer experimentam o seu gênero.

Eu como Trans / Gênero / Queer

Eu escrevi algumas postagens sobre como eu sinto o meu gênero como neutro. E apesar do jeito de eu expressar e representar o meu gênero no mundo ter mudado, a minha identidade de gênero não mudou. Ainda é neutro - e minha experiência dele- é apenas um de uma infinidade de variações de experiências genderqueer e transgênerxs.

N.E. Artigo original: http://neutrois.me/2013/04/17/explaining-genderqueer-to-those-who-are-not/

Confira também o material do Coletivo Safira sobre Gênero-Queer: http://coletivosafira.org/post/49865695756

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Ambiguidades desejáveis e o estar prontx

Por Juno

Quando aquilo que nós desejamos, como parte integral da nossa identidade, é sermos lidxs de uma determinada forma, então imediatamente podemos começar a desenvolver expectativas sobre um ponto exato a partir do qual estamos confortáveis em apresentar esta expressão para que alguém a contemple. Queiramos ou não, nossa expressão de gênero será analisada e desígnios (determinações sobre pertencermos a um determinado gênero, sem consulta alguma) serão feitos. Nossos olhos são treinados pelos estereótipos de gênero a identificar quem pertence a um lado e quem pertence a outro. Aprendemos quais signos são masculinos, quais são femininos e não só começamos a ser capazes de identificar imediatamente, com grande facilidade, qual o gênero da pessoa para a qual olhamos, como também utilizamos esse conhecimento para executar e vestir os signos do gênero que nos foi designado. Assim construímos e reproduzimos o gênero, socialmente, conjuntamente. Tão bons ficamos em encaixar pessoas nos moldes binários que qualquer pessoa que está exposta a estes olhos socialmente treinados é uma pessoa sujeita à inspeção e à designação (tardia e constante) de seu gênero.

Enquanto trabalhamos dentro de uma visão cisgênera e com sujeitxs cis, estamos trabalhando com uma expressão esperada pela cisnorma: elas são fluidas, corriqueiras e irrelevantes. Tudo corre bem. Porque a cisnorma é homogênea e dominante, mas também coercitiva, seu treinamento é rigoroso: aquelxs que apresentam ambiguidade são condenadxs à condição de problemáticas essenciais. Para esta norma, isto é, para a forma como a sociedade ciscêntrica percebe os corpos e seus signos (como roupas, cortes de cabelo, pelos, vozes, andares, trejeitos, acessórios, anatomias), a ambiguidade é um problema daquele corpo que veste e executa signos ambíguos ou mistos. Ela não é uma evidência do problema que ela própria cria, como deveria, pois a mera existência de um campo de ambiguidades (ou androginia) significa que algo a mais pode ser expresso pelxs sujeitxs que estão fabricando e reproduzindo gêneros. O problema está, ao invés, nx corpo ambíguo. Isso faz parte de manter as coisas correndo de acordo com a cisnormatividade, porque empurra as expressões de gênero das pessoas que desviam da binária de volta para os moldes.

Quando lidamos conosco, isto é, com sujeitxs trans*, trabalhamos com diferentes expectativas da nossa parte e também com diferentes expectativas da parte daquelxs que fazem julgamentos sobre estas identidades. Porque nós estamos expressando um gênero, estamos criando algo que queremos expressar e, coletivamente, a sociedade está lendo essa expressão com a sua visão. Infelizmente, essa visão é cissexista. Falo de expectativas porque não somente estamos produzindo e exibindo um gênero, mas antes mesmo de fazê-lo nós temos algo que queremos expressar, e antes mesmo de sermos vistos nós temos algo que a sociedade deseja ver¹. Trabalhamos com estereótipos cissexistas de uma mulher e de um homem autênticxs, com desígnios compulsórios e morfologizantes, com estereótipos machistas e heteronormativos de uma mulher “apresentável” e de um homem “másculo”. Lidamos com problemáticas que não são apresentadas às pessoas cisgêneras; com critérios com as quais estas pessoas não são confrontadas. Lidamos, ademais, com uma binária opressiva que deixa à margem desta ótica qualquer identidade que não se encaixa ou se aproxima dos seus moldes.

Estas dinâmicas sistemáticas são o que irá condicionar as ansiedades e receios que algumas de nós, pessoas trans* com identidades não-binárias, sentimos de expor nossa expressão de gênero publicamente, e de colocar a nossa identidade de gênero como pública. Isto se dará independentemente do quanto já assimilamos, nós mesmxs, o que estamos expressando e o que desejamos expressar. Mais do que a leitura feita pela sociedade, nós temos a leitura que nós mesmxs fazemos do que é ideal para nós de acordo com o que queremos expressar e expressamos. E estes conceitos se dinamizam exatamente porque existe então um segundo conflito entre aquilo que é aceito ou negado pela sociedade, independentemente de nossos entendimentos pessoais sobre nossa identidade de gênero e nossa expressão de gênero. Estes conceitos parecem estar expostos para análise quer nós já estejamos ou não em harmonia com nossa própria expressão.

Isto é problemático não somente porque estamos sendo analisadxs, mas precisamente porque esta harmonia não parece ser relevante para quem faz a análise. O binarismo nos lê e imediatamente nos empurra para um dos lados diametrais dos seus moldes limitados e se enfurece se não consegue fazê-lo. Isto é, ou ele nos devolve para onde não sentimos pertencer, ou ele nos empurra para de onde estamos fugindo, ou ele nos considera a anomalia por não ter conseguido violentar-nos. O binarismo não está interessado nxs sujeitxs que lê, no que elxs têm a dizer, porque ele funciona com base numa lógica mecânica, objetiva e automática. Ele torna físico, imutável e natural algo imaterial, fluido e social.

Esta mecânica é o que impulsiona vários de nós na direção de uma expressão de gênero ambígua. Esta necessidade é, como podemos ver então, algo criado socialmente (e não inato, como se fosse uma patologia, tal qual as ciências psi adorariam chamar). E se nós temos uma expressão de gênero ideal, nós temos então um processo até alcançá-la. Como se pode presumir, para as pessoas cisgêneras isto flui muito bem: a expressão de gênero normatizada e esperada é a que sempre lhes constou, e basta-lhes expressar-se, vestir-se como sempre fizeram e continuar suas vidas como sempre as viveram. Para nós, pessoas trans* com identidades não-binárias, isto pode significar que precisamos buscar um certo grau de ambiguidade, um determinado grau de incerteza que não permita mera presunção de pertencimento a um gênero. Isso significa que apesar de confortos pessoais sobre nossa apresentação, ainda se sobreporá a isto a dissonância da cisnorma com o que estamos expressando “de fato”. Ela nos corrige sobre o que estamos expressando para nós mesmxs, e não só para o mundo que queremos habitar.

E buscar este determinado grau significa procurar um momento exato onde ele está acertado. Significa procurar uma determinada quantidade de ambiguidade que nos conforte no sentido de não permitir os empurrões mecânicos da cisnorma na direção de um dos lados da binária. Estas ambiguidades desejáveis são mecanismos de resistência e subversão, mas infelizmente elas possuem um ponto a ser atingido. Precisamos “estar prontxs” para habitar o mundo com nosso gênero exposto. E quando começamos a entrar em concordância com a nossa identidade nós percebemos como esta é uma faca de vários gumes, porque aqui entrará a autoridade classista do Capital, posto o fato de que investimentos precisam ser feitos — de resiliência, de tempo e de dinheiro — para que consigamos expressar a quantidade de ambiguidade necessária (caso sintamos a necessidade de expressar-nos assim) para que não causemos certezas sobre pertencermos exclusivamente a qualquer um dos dois gêneros binários: para que não nos leiam nem exclusivamente como homens, nem exclusivamente como mulheres.

Isto é especialmente problemático porque significa que a cisnorma está criando mais uma narrativa legítima da transgeneridade, desta vez para as pessoas trans* com identidades não-binárias. Uma narrativa capitalista, mediada pelo dinheiro, que exige uma certa forma de se vestir, uma certa falta de obviedade na sua expressão de gênero. Mas esta obviedade é ela própria fabricada pelos mesmos estereótipos binários que nos coíbem. Algumas pessoas trans* com identidades não-binárias vestem-se de formas que nós presumiríamos pertencer ao gênero masculino ou feminino. E isto não as torna mais ou menos binárias, mais ou menos trans*. É importante percebermos que parte da sensação de que precisamos estar prontxs/ambíguxs vem da imposição para que desviemos de como estávamos antes, e que esta imposição também é cisnormativa e social. Mas que, ao mesmo tempo, o desejo de estarmos prontxs também é uma manifestação de nossa identidade trans*, e do caminho que estamos traçando para a nossa própria subjetividade. Esta interpolação que parece contraditória só se resolve (e deixa de parecer contraditória) se soubermos aceitar ambas estas narrativas trans* (e todas as outras) como perfeitamente legítimas; se soubermos conferir a estas pessoas trans* a devida agência sobre suas identidades.

Não podemos criar uma estética não-binária, uma estética queer, porque estas criações são capitais e violentas, e porque elas não fariam sentido mesmo que não o fossem. A forma como você se veste não lhe torna mais ou menos genderqueer, mais ou menos de um ou mais gêneros, ou agênerx, porque estas são narrativas possíveis, e não há narrativas legítimas da experiência trans*. Uma pessoa precisa ter acesso à sua dignidade. Grande parte do trabalho de instituições cisnormativas, principalmente das ciências psi, é a regulamentação do que é uma narrativa trans*. Do que caracteriza a transgeneridade e de quais elementos precisamos para podermos de fato ser trans*. Isto cria uma narrativa científica, tradicional e medicalizada que simplesmente faz a manutenção de nossos entendimentos sobre nosso gênero enclausurados dentro do espaço apertado e sujo que a cisnorma nos reserva, espremidxs entre as duas experiências por ela enaltecidas: a de homens cis e mulheres cis. Mas esta não é uma autoridade que a Ciência possui: esta autoridade é nossa, e somente nossa. É ideal que nós, pessoas trans*, possamos viver nossas experiências e estar bem com nossos gêneros vestindo as roupas que quisermos vestir, quer o Capital nos autorize, quer não; quer a cisnorma leia isto como ambíguo, quer não (sendo esta nossa vontade ou não). E para isto é central que não criemos uma segunda normatividade: uma experiência queer/ambígua/andrógina que seja estática e comparativa; que nos permita desautorizar alguém de sua própria identidade, ou fazer com que se sinta desautorizadx mesmo que indiretamente.

Eu, pessoa genderqueer, estou prontx. Nasci prontx. Estava prontx antes da puberdade e continuo o estando agora. Mas algo me impede de estar lá, onde eu gostaria de me apresentar com meu nome correto, com minha falta de gênero, com minhas roupas do gênero ao qual fui designadx. Sinto que serei designadx, como sou em todo lugar. Sinto que todos os olhos lerão minha experiência como a experiência de um gênero ao qual não pertenço. Sinto que se explicar-me, não irão acreditar. E sinto que tudo isso só acontecerá porque irão me encaixar, através de uma ótica binarista, a um gênero específico porque eu ainda não atingi a ambiguidade que desejo. O principal fator que contribui para esta falta é o da minha posição enquanto desempregadx. E isso significa que não me sinto prontx. Este sentimento não é inato, biológico, patológico: ele é social, capital e patriarcal. Me sinto incompletx, embora inteirx. Não consigo expressar meu gênero como de fato é, embora possa.

Mas quem é que não está prontx? Eu ou estes olhos que me leem?

E quem é que está prontx?

¹Aqui, podemos aplicar a noção de Ideologia muito claramente, pois sabemos que as percepções binárias-cissexistas sobre nossos gêneros, as de que “naturalmente” existem apenas dois; de que “naturalmente” os percebemos nxs outrxs; de que “naturalmente” estão inscritos nos nossos cérebros/genitais/cromossomos são ideias enraizadas num senso-comum que favorece e, em certa medida, advém da cisnormatividade, e que é justificado como se a natureza simplesmente fosse desta forma: binária e evidente. Esta naturalização do gênero está diretamente conectada, alimentada e construída pela Ciência, num conjunto de biologia-anatomia e medicina-ciências psi. A agência das pessoas trans* está, portanto, novamente retirada, e a sua “natureza” precisa ser entendida pela Ciência, como se esta fosse imparcial e não reproduzisse as noções binaristas e cissexistas que ela mesma produz juntamente com a religião, com o patriarcado, com o Estado. Este último, que, para justificar as violências que cometerá contra as pessoas trans* ao mediar os serviços que irá fornecer ou deixar de fornecer-lhes (gatekeeping), usará da própria Ciência numa retroalimentação apropriativa.

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Guest Post: Amanhã isso vai passar

Recebi esse texto de uma pessoa que prefere se manter no anonimato.

What are little girls made of?

What are little boys made of?

“Amanhã isso vai passar.”

É o que eu penso toda noite. Penso que no dia seguinte vou me sentir confortável em ser mulher, vou querer que as pessoas me vejam dessa forma, não vou em nenhum momento sentir que existe alguma coisa de errado… Nunca funciona, é claro.

Não sei do que as mulheres e os homens são feitos, mas sei que não é a biologia ou os meus gostos que definem quem ou o que eu sou. Sei apenas que existe alguma coisa, que talvez eu nunca vá saber o que é, que faz com que eu saiba que há algo de muito errado com o fato de eu ser lidx como mulher. Algo que me fazia corrigir o “ela” pra “ele” muito antes de sequer imaginar que um dia leria sobre gênero. Mas o curioso é que até pouco tempo atrás, mesmo depois de já ter entrado em contato com as questões trans, eu tinha uma visão muito engessada do que era a transexualidade em si.

Eu entendia as pessoas transexuais como sendo aquelas que desde muito cedo na infância já sabiam qual era o seu gênero certo; uma sucessão de certezas culminando na redesignação sexual. Qual não foi minha surpresa quando percebi que identidade de gênero não seguia uma “receita de bolo”! A ideia de que uma pessoa só pode ser homem ou mulher se sentir do jeito x e se comportar do jeito y cria um limbo onde colocamos as identidades não-binárias. Pra mim, invisibilizá-las totalmente e tentar forçá-las a se conformar dentro do modelo binário é uma violência.

Percebo essa violência todo dia, quando desejo que tudo seja uma loucura da minha cabeça. Quando tenho vergonha de passar pelo constrangimento de pedir que me tratem no masculino enquanto cada curva do meu corpo grita que não devo ser levadx a sério por ainda parecer uma mulher; quando me olho no espelho e vejo outra pessoa; quando evito me posicionar como trans* por medo da deslegitimização, do discurso do “você não é trans o suficiente”, “se você consegue lidar com parte x do seu corpo, então isso não é disforia”; quando me sinto culpadx por gostar de usar saia ou de outras coisas tipicamente interpretadas como femininas e em outras tantas pequenas agressões cotidianas.

Isso me faz pensar em até que ponto se chega nessa necessidade de policiar a identidade alheia, principalmente quando ela parte das próprias pessoas trans. O fato de a minha identidade não ser binária - por qualquer motivo que seja, desde puramente político até eu “simplesmente” não me situar em nenhuma das extremidades do espectro - não significa que eu esteja ameaçando aquelas que não são. Já conheci pessoas com experiências muito parecidas com as minhas, e nenhuma delas é igual à outra. Estamos falando de gente. Não há como uma coisa só englobar toda a vastidão de experiências que uma pessoa pode ter na vida, Mas ainda assim há quem se ache no direito de poder validar quem ou o que você é.

Demonizar a dúvida só faz com que nos sintamos culpados por experimentar, por tentar saber por nós mesmos o que é melhor pra nós. Parece-me que as pessoas muitas vezes se esquecem de que viver é uma sucessão de tentativas, uma construção contínua. Há literalmente um mês, por exemplo, eu rejeitava totalmente a ideia de me hormonizar; hoje já considero fazer isso um dia. Há algum tempo pensei que conseguiria passar a vida lidando relativamente bem com esse desconforto, com a sensação de que a minha vida era uma farsa e que essa pessoa não sou eu; hoje não consigo mais.

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O que é cissexismo?

[EDIT: Essa postagem foi revisada, atualizada e ampliada. Eu, Hailey, acredito que esse texto não dá mais conta de definir cissexismo e por isso escrevi um mais atual. Para ler a versão mais nova clique aqui].

O que é cissexismo? Este termo não é novo e antes de tentar explica-lo, primeiramente há a necessidade de explicar o que é cisgênero. O termo cisgênero, segundo a Wikipédia (em inglês) data mais ou menos de 1994 e foi criado por Carl Buijs, porém suas origens parecem incertas.

Uma pessoa cis é uma pessoa na qual o sexo designado ao nascer + sentimento interno/subjetivo de sexo + gênero designado ao nascer + sentimento interno/subjetivo de gênero, estão “alinhados” ou “deste mesmo lado” – o prefixo cis em latim significa “deste lado” (e não do outro), uma pessoa cis pode ser tanto cissexual e cisgênera mas nem sempre, porém em geral ambos.

O uso do termo cisgênero/cissexual é urgente e MUITO importante, porque atualmente ainda a militância e muitos coletivos ativistas utilizam incorretamente o termo mulher/homem biológico para designar pessoas cissexuais e cisgêneras, na tentativa de diferenciar pessoas trans* (sem falar no problema do termo para pessoas interssexuais, as quais ninguém nunca lembra). Deriva daí que não só a Teoria Queer mas outros Estudos das Ciências Sociais já criticaram (e ainda criticam) tem bastante tempo a ascensão do biopoder para capturar/controlar o que deve ser ou não verdade em termos de morfologia/corpo, em alinhamento com gênero, o mesmo alinhamento a que me referi anteriormente. O discurso biológico aliado com o médico, endossa o dimorfismo, patologiza as identidades trans* e não-binárias. A discussão do biopoder ficará para outro post.

Cissexismo:

Cissexismo será então qualquer discriminação baseada em:

1) Na noção de que só existe um tipo de morfologia (corpo) e este deve estar alinhado com o gênero designado ao nascer e/ou;

2) Noção de que só existem 2 gêneros (binários: masculino/feminino) e que uma pessoa deve estar alinhada dentro de um desses 2, e/ou;

3) Noção de que uma pessoa trans* tem uma vivência menos ‘verdadeira’, e/ou nunca será ‘verdadeira’ se não fizer modificações em seu corpo para ficar mais próxima de um dos gênero binários, e/ou;

4) Noção de que uma pessoa precisa estar dentro de um desses gêneros binários, porque senão ela não será feliz, ou não será aceita etc. e/ou;

5) Noção de que pessoas que não se encaixam no binário são doentes mentais, tem patologia e precisam se tratar de algum modo para se curar e que essa cura ou será o alinhamento ou o processo transsexualizador, e/ou;

6) Noção de que o corpo da pessoa é “bizarro”, que ela não pode viver no “entre” etc. o que pode caracterizar também transmisoginia e/ou transmisandria e/ou;

7) Noção de que a pessoa “dá pinta”, é muito “escandalosa” chama atenção, principalmente no que diz respeito a performance/atitudes que não estão alinhadas do ponto de vista cis. Achar que porque essa pessoa ‘chama atenção’ e não age como esperado do alinhamento cis, ela irá “atrapalhar a causa”, “estragar a imagem do grupo” etc. Atenção porque esse discurso está bastante difundido no meio LGBT. E/ou;

8) Uso de termos ofensivos, mas que muitas pessoas (atenção LGBT’S) não acham ofensivos, ou evocar arbitrariamente (sem a permissão da pessoa) o nome designado ao nascer, a experiência “pregressa” (falar em “antes” e “depois” é cissexista também); termos como ‘transvestir’,’transformista’, ‘traveco’, ‘transsex’, ‘t-gata’ (sim ‘t-gata’ é um termo fetichizador cissexista e sexista também, objetificador: atenção pessoas que se identificam como “t-lovers”); uso de termos como crossdress, drag, drag queen/king, quando você não sabe qual é a identidade da pessoa. E/ou;

9) Cont. item 8 – Designar arbitrariamente a identidade da pessoa. Conhecer alguém e prontamente decidir qual é a ID da pessoa baseada na imagem (visual e/ou performática) (da sua posição cis) que você tem dela. Alinhar pronomes e identidades também é cissexista. E/ou;

10) Na simples discriminação pela pessoa não ser cis, por ter qualquer comportamento diferente do esperado pelo alinhamento cis. Nesse ponto o sexismo também tem papel importante. Cissexismo e Sexismo são faces da mesma moeda. Desenvolverei esse assunto em outro post. E/ou:

11) Qualquer outra situação que se encaixar em discriminação, pois com certeza não consegui listar tudo aqui, existem inúmeras outras.

Binarismo:

Existe outro termo chamado Binarismo, aplicado para discriminação direcionada à pessoas que se identificam como fora do sistema binário de gênero. Ao meu ver, cissexismo também pode ser aplicado para este tipo de discriminação, porque engloba, porém nos EUA e aparentemente internacionalmente há esta separação mais definida. Cissexismo está mais relacionado com sentimentos anti-trans*, transmisoginia, transmisandria, a “verdade” cis versus a “mentira” da experiência trans*. Lembre-se, na sociedade cisgênera, pessoas trans* e/ou não binárias e/ou não cis são “mentira”, não existem, são doentes etc. porque na lógica cisgênera/cissexual somente as pessoas cis são a “verdade” compulsória endossada por todos os designíos ao nascer (desígnio de sexo e de gênero + desígnio heterossexual que também tem papel) e endossada pelo discurso médico e biológico.

Para finalizar, gostaria de deixar claro que essas definições e essa explicação não são diretamente derivadas da Teoria Queer nem de nenhuma teoria Acadêmica. Muito embora as teorias tenham se debruçado a teorizar sobre os termos e sobre as relações complexas, e de sem dúvida ter relação com conceitos do Feminismo, da T. Queer e Filosofia da Linguagem (para dizer no mínimo), não será a Teoria nem a Academia que norteará a utilização desses termos. São os grupos discriminados que determinaram e que devem determinar quais termos são ofensivos e quais devem ser utilizados.

Esses termos são utilizados e foram retirados de comunidades Genderqueers* (usando genderqueer como termo umbrella, são várias comunidades de pessoas não-binárias e/ou não-cis, e/ou trans*, e/ou outras ID’s).

Fontes:

http://angerisjustified.wordpress.com/2010/12/27/definitions-cissexism-and-binarism-for-google/

http://dearcissexism.tumblr.com/

http://en.wikipedia.org/wiki/Cisgender

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