Uma matéria da BBC sobre Venezuela, hormônios, pessoas trans e … comentários
Sai uma matéria na BBC News Brasil sobre homens trans com dificuldade em conseguir hormônios na Venezuela e as pessoas naturalizam, ao mesmo tempo, duas coisas: a situação de pobreza na Venezuela e da vulnerabilidade de pessoas trans. Tudo isso na caixa de comentários do Facebook. O uso do hormônio passa a ser visto como um “luxo” num país em que as pessoas estão “comendo até os cachorros”. Naturalizam com isso também o desprezo latente contra pessoas trans, a ideia, portanto, de que “tanto faz” você ser trans.
As pessoas trans reivindicam existir enquanto tais e o que se interpreta é: “você está pedindo demais”. Citam ainda a falta de estrutura nos hospitais do país como se isso fosse argumento para que você conclua que não se pode ser trans na Venezuela e ter cuidados médicos. Como se alhos tivessem a ver com bugalhos. Com isso simplesmente se assume que a situação de pobreza é praticamente natural e inevitável, “é assim mesmo”, e conclui-se com a mesma espontaneidade que pessoas trans neste caso estejam reclamando “demais”.
Duvido que essas mesmas pessoas considerariam um luxo o uso de hormônios se fossem elas mesmas que precisassem deles. A ideia de que “você não pode reclamar” pois o que você supostamente está pedindo é um luxo é aplicada neste caso simplesmente porque se tratam de pessoas trans utilizando esses medicamentos. No fundo há a não aceitação da nossa existência simplesmente, como se ela fosse tão supérflua quanto essa visão cissexista e estigmatizante sobre a terapia hormonal. Como se a sua própria existência fosse um “luxo” em condições adversas.
Acontece uma coisa: acesso a medicamentos hormonais para pessoas trans jamais foi um luxo. Acesso a esses medicamentos não é algo simplesmente opcional para pessoas trans, isso tem inúmeras implicações práticas na vida de uma pessoa trans que pessoas cis podem nem imaginar, como a sua capacidade em obter um emprego, estudar e ter saúde mental. Para pessoas trans, não é opcional você conseguir ser quem você é. É a sua saúde mental e física que vai estar em jogo. É uma necessidade básica assim como para qualquer outra pessoa. As pessoas trans podem adoecer se não conseguem ter acesso a esse tipo de cuidado básico. Mas para quem está se lixando para nossas demandas básicas de sobrevivência, o mínimo passa ser visto como luxo.
Imagem: BBC Brasil.